segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Meditação em torno do vento



A propósito do livro Ouvi o Vento, de Manuela Silva, editado por Pedra Angular, eis um excerto do ensaio de Iabel Allegro de Magalhães. Podereis lê-lo na íntegra em:
http://www.snpcultura.org/vol_ouvi_do_vento.html


"Ainda no adro, o título do livro chama a atenção, pelo seu carácter declarativo inicial (quase exclamativa) – que tem uma força singular: Ouvi do Vento.

A aliteração, com efeito sonoro evidente, sobretudo por os dois vv se situarem em sílabas tónicas consecutivas (ou-vio ven-to), dá eficácia à passagem do ar, do ar da vida e ar cósmico também, de um vento real (VV), que é o da própria respiração expirada, acentuando com isso o conteúdo de essa frase declarativa: “[eu] ouvi do vento”. Repare-se que não é o vento que é ouvido, mas algo que a partir do vento se ouve. Esta 1ª pessoa do título, é a mesma dos textos e assume neles a responsabilidade por este testemunho. O título, porém, deixa omisso o complemento directo que o verbo OUVIR, por ser transitivo, reclama. É um complemento longo: estas páginas, resultantes do que a voz (mesmo sem que o vento se tenha pronunciado) foi apercebendo a partir do vento.
Neste contexto, a relação entre acto de ouvir e vento não pode deixar de evocar diversos textos da literatura – portuguesa e de outras culturas, religiosos e profanos, que tematizam e incorporam modalidades infinitas do invisível vento, em poemas. Neles se figura essa passagem materialmente imaterial do ar, que pode trazer consigo, ou não, múltiplos sinais ou coisa nenhuma. Entre nós, por ex. Manuel Alegre, na sua “Trova do vento que passa”, escreve: “Pergunto ao vento que passa / notícias do meu país” e, nesse tempo de ditadura, o que declara é que o vento não diz nada: “o vento nada me diz;” (1). Alberto Caeiro, num dos seus versos, tem esta espantosa afirmação, verdadeiramente contemplativa: “E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido” (2). E ainda aquele vento, já sopro místico que perpassa por um dos poemas de Tolentino, justamente intitulado “O vento”, como que com-fundindo a marca ou traço individual com o próprio Ser do Divino:

[…]
E pelas fagulhas da luz reconheças então o vento
Vagaroso sobre o gelo
Movendo-se para apagar o teu próprio trilho. "

Boas leituras e melhores meditações!

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