segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A suspensão de Keats?

Derradeiros versos de "Navidad según Giotto", de El arte de la fuga – Antología del autor, de Narcís Comadira (Madrid: Catedra Letras Hispánicas, 2015): "Todo está detenido/ en un momento eterno./ Lo miran nuestros ojos/ pasmados, y una lágrima/ se va formando, cálida,/ aquí, en el corazón de nuestro invierno." Boa semana!

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

“Habitación de hotel (Edward Hopper)”, de Martín López-Vega

Uma ekphrasis em que um quadro interfere na leitura de outro:"Llegó al hotel hace unas horas./ Dejó las maletas en una esquina/ y dio un paseo por la ciudad./ Ahora está sentada en la cama,/ casi desnuda,/ y sostiene en sus manos/ una carta que no se atreve a releer...pensando/…, en que es una pena/ no haber sido Giovanna Tornabuoni,/ y tener ese mismo rostro,/ que enamora con tan solo verlo,/ que tenía em 1488,/ cuando la pinto Ghirlandaio” (Magalhães, Joaquim Manuel. Poesia Espanhola de Agora/Poesía Española de Ahora, Lisboa: Relógio d’Água, 1997, Volume II, 984)

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Stephan Zweig, eis um escritor que recomendo

Li-o na adolescência - a ele devemos a expressão "Deu-me um Amok!" - e tenho regressado a ele nestes últimos anos, nomeadamente as biografias. Divirto-me a (re)ler, por exemplo, a que ele escreveu sobre José Fouché. Divirto-me a (re)encontrar nessa personagem que viveu no início da modernidade, tantos colegas meus universitários (e não só). Aquele tipo de fulanos(as) que, quando chega um chefe e proclama, "Agora o importante é ensino ao longo da vida!", eles de imediato gritam "Aleluia! Vimos a luz!" Depois vem outro chefe e diz, "Agora o importante é investigação!", e eles de imediato gritam "Aleluia! Finalmente, vimos a luz!" Depois vem outro chefe e diz... Estão a ver o filme, não estão? Também José Fouché foi realista, depois jacobino, depois hiper-jacobino, depois reaccionário, depois... Bom, depois caiu de amores por uma rapariga mais nova - como às vezes, raramente, claro, sucede com os homens de meia-idade, refira-se - e caiu, literalmente, em desgraça. Bom, adiante! Deixo-vos com as palavras de José María Alvarez que, muito certeiramente, constata: "... pienso en essas fotografías/ tantas veces vistas: usted y su esposa/ como dormidos. Elegantemente vestidos. No son cadáveres. Parecen dormir./.../Sabe una coisa, Zweig? Es raro ya encontrar/ escritores como usted. La especie va extinguiéndose./ Hay - me aseguran - hasta quien divulga/ que un artista es una persona como otra."

terça-feira, 17 de novembro de 2015

One of my longtime heroes

Foi no sábado que a reencontrei, desta feita no CCB, para ver Heart of a Dog. Digamos que o roteiro já tinha sido por ela delineado quando esteve no Nimas. Talvez traga as impressões que então colhi noutra altura. Para já deixo-vos três regras de vida sugeridas por Laurie Anderson numa entrevista: 1. Don't be afraid of anyone; 2. Get a good bulshit detector and learn how to use it; Be really tender. Bom final de dia!

Evangelho segundo S. Lucas 19,1-10, o episódio de Zaqueu

Sobre ele escreveu Jean Tauler (c. 1300-1361), dominicano de Estrasburgo: Lemos no evangelho que Zaqueu quis ver Nosso Senhor, mas era muito pequeno. Que fez ele? Subiu a uma figueira seca. Assim faz o homem: deseja ver Aquele que opera maravilhas e causa um tumulto nele; mas, como não tem estatura suficiente para isso, tem de subir a uma figueira seca. A figueira morta simboliza a morte dos sentidos e da natureza e a vida do homem interior, sobre a qual Deus é levado. Que disse Nosso Senhor a Zaqueu? «Desce depressa.» Tens de descer, não podes reter uma única gota de consolação de todas as tuas impressões na oração, antes deves descer ao teu puro nada, à tua pobreza, à tua impotência. [...] Se te resta algum apego à natureza, é porque ainda não possuis a verdade, é porque ela ainda não se tornou um bem teu; natureza e graça trabalham ainda juntas, e não chegaste ao abandono perfeito [...]; esse estado ainda não é a pureza plena. É por isso que Deus convida esse homem a descer, quer dizer que o chama a uma renúncia plena, a um pleno desprendimento da natureza. «Hoje tenho de ficar em tua casa; hoje veio a salvação a esta casa.» Que este hoje nos aconteça para sempre! Os jesuítas do site Pray as you go colocam, todavia, uma questão algo perturbante: sendo Zaqueu uma figura pouco popular - cobrador de impostos -, por que razão foi ele escolhido? Se estivéssemos entre a multidão, o que pensaríamos nós por ter sido escolhido aquele fulano e não eu, que até tenho uma profissão mais simpática; pelo menos não chateio os outros por causa dos impostos! Afinal, what stops me from seeing beyond the obvious?

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Breve tópico sobre um diálogo

Em “Winter Landscape”, de John Berryman, ecoa a suspensão de Keats em “Ode on a Grecian Urn”: “The three men coming down the winter hill/…/ Returning cold and silent to their town,//… to the older men,/ The long companions they can never reach” . Refira-se, porém, que na expressão final do primeiro verso, “winter hill”, se sente uma ressonância de outro quadro de Brueghel, “Winter landscape".

Quando Jesus pergunta:

"O que queres que eu te faça?" O que lhe respondes? Eis esta mesma pergunta feita na radicalidade do excesso, como há uns dias, com o seu brilhantismo e lucidez habituais, o Padre Alexandre Palma designou este gesto, em Evangelho segundo S. Lucas 18,35-43: Naquele tempo, quando Jesus Se aproximava de Jericó, estava um cego a pedir esmola, sentado à beira do caminho. Quando ele ouviu passar a multidão, perguntou o que era aquilo. Disseram-lhe que era Jesus Nazareno que passava. Então ele começou a gritar: «Jesus, filho de David, tem piedade de mim». Os que vinham à frente repreendiam-no, para que se calasse, mas ele gritava ainda mais: «Filho de David, tem piedade de mim». Jesus parou e mandou que Lho trouxessem. Quando ele se aproximou, perguntou-lhe: «Que queres que Eu te faça?». Ele respondeu-Lhe: «Senhor, que eu veja». Disse-lhe Jesus: «Vê. A tua fé te salvou». No mesmo instante ele recuperou a vista e seguiu Jesus, glorificando a Deus. Ao ver o sucedido, todo o povo deu louvores a Deus. Em Relatos de um peregrino russo ao seu pai espiritual, de autoria provável de um monge de Atos,o protagonista parte em viagem na busca do encontro com a forma (fórmula ?) de dialogar com Deus. A resposta possível surge numa assunção/revisão deste passo. Ei-la como ele no-la veicula: "... imagina assim o teu coração. ... Adapta cada batimento às palavras da oração. É a isso que os Santos Padres chamam 'levar a mente ao coração'. Assim, ao primeiro batimento, diz ou pensa: 'Senhor'; ao segundo, 'Jesus'; ao terceiro, 'Cristo'; ao quarto, 'tende'; ao quinto, 'piedade'; e ao sexto, ' de mim!' Repete isso muitas vezes. ... Quando estiveres mais habituado, começa a introduzir no teu coração a oração de Jesus e a retirá-la juntamente com a respiração, como ensinam os Padres, isto é, quando aspirares o ar, diz e imagina: 'Senhor Jesus Cristo,' e ao expirares, diz: 'tende piedade de mim!' Faz este exercício tantas vezes quantas puderes, e, em breve, sentirás no coração uma dor suave e agradável, e, mais tarde, um calor reconfortante. Com a ajuda de Deus, atinges a automatização e o prazer da oração interior do coração." (Paulinas, pp. 135-136)

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

L'homme qui aimait les femmes

O título deste filme de François Truffaut poderá aplicar-se a Dante Gabriel Rossetti. O pintor/poeta tomou Alexa Wilding como modelo e sobre o quadro escreveu o soneto homónimo "Venus Verticordia", "turner of hearts"... E basta olhar para o modelo para lhe dar razão... Eis os primeiros versos: "She hath the apple in her hand for thee,/ Yet almost in her heart would hold it back". Bom fim de semana!

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Em tempos de tantas cesuras...

convido à leitura deste passo do Evangelho segundo S. Lucas 17,11-19. Talvez a meditação que ele suscita nos conduza à procura de uma vida marcada pelo agradecimento das pequenas coisas que - no trabalho, na relação com os amigos, com a família - marcam o nosso quotidiano: Naquele tempo, indo Jesus a caminho de Jerusalém, passava entre a Samaria e a Galileia. Ao entrar numa povoação, vieram ao seu encontro dez leprosos. Conservando-se a distância, disseram em alta voz: «Jesus, Mestre, tem compaixão de nós». Ao vê-los, Jesus disse-lhes: «Ide mostrar-vos aos sacerdotes». E sucedeu que no caminho ficaram limpos da lepra. Um deles, ao ver-se curado, voltou atrás, glorificando a Deus em alta voz, e prostrou-se de rosto por terra aos pés de Jesus para Lhe agradecer. Era um samaritano. Jesus, tomando a palavra, disse: «Não foram dez os que ficaram curados? Onde estão os outros nove? Não se encontrou quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?». E disse ao homem: «Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou».

terça-feira, 10 de novembro de 2015

O cerco à Assembleia da República vivido pelo protagonista de "Pentâmetros Jâmbicos"

CAPÍTULO 21 de Pentâmetros Jâmbicos, intitulado "Cercos e scones " O Senhor estava lá! Chá preto e scones, eis uma prova de que Deus existe, pensou o Carlos. Para logo dizer para si, perdoai-me, Senhor, ‘tava a brincar. Depois pegou no porta-moedas e deitou contas à vida. O Vítor emprestou-me o Manual de Mineralogia do Dana, versão de Klein e Hurlbert que eu precisava de comprar. Se m’ atirar a umas noitadas a fazer fichas não só poupo o dinheiro do livro como das fotocópias. Além disso, já são duas horas. Se não me lembrar do almoço, sempre ficam mais uns trocos. Moral da história, posso muito bem assentar arraiais nas Vicentinas, beber um chazinho e comer uns scones. Como ainda era cedo, decidiu ir até ao jardim do Princípe Real, sentar-se a fazer horas e aproveitar para dar uma vista d’olhos pelo livro. No entanto, logo após a leitura do índice, a perspectiva dos scones com manteiguinha a derreter, acompanhadinhos com um chazinho quentinho, assentou arreiais na sua imaginação. Em breve começou a salivar. Tenho que combater esta gula, pensou. Exercício físico! O que eu preciso mesmo é de exercício físico. Vamos lá dar um passeio a pé para distrair. Levantou-se e começou a descer, ao acaso, em direcção a S. Bento. Veio-lhe à ideia o Eclesiastes, seu momento predilecto do Livro, e uma melodia que diria mais ou menos assim: Eu não sei se hei-de fugir / ou morder o anzol / Já não há nada de novo / aqui debaixo do sol. Aliás, já os Byrds se tinham lembrado disso: for everything there is a season / and a time for every purpose under the heaven. Ai Cesário, pensou, que melancolia nesta luminosidade. E reconfortado com a pena que sentia de si próprio, lá seguiu a cantarolar os pássaros com y. Um estranho e intenso rumor, em breve começou a chegar aos seus ouvidos. Quanto mais descia e se aproximava de São Bento, mais nítido era o rumor. Gritos, palavras de ordem, canções revolucionárias, toldavam os céus de Lisboa nessa tarde cheia de sol. Mais uma manif, pensou. Será que estes fulanos não se cansam com manif atrás de manif, prosseguiu nos seus devaneios, com os scones em mente. E, tal como ele amiúde poderia constatar ao longo da vida, porque a perspicácia não era, de facto, uma das suas mais evidentes virtudes, o Carlos, mais uma vez, enganou-se. Aquela não era uma manif qualquer, ou, pelo menos, não estava destinada a ser referenciada, historicamente, como uma manif qualquer. Esta não era também aquilo que, tecnicamente, poderia ser considerado uma manif, mas sim um cerco, um cerco à, vá-se lá ver, Assembleia em São Bento. Lá dentro estavam os deputados, nos seus assentos, amarrotados, sonolentos, suados e cheiros de fomeca, e cá fora estavam os operários da construção civil... em festa. E, mais uma vez, sem saber muito bem como, o Carlos despertou no centro da História. Deambulando, sem rumo certo, e já sem se lembrar dos scones, lá se foi aproximando das escadarias da Assembleia. Por todo o lado, havia barreiras, maralhal, perdão, compagnons a comer sardinha assada - ao ver as sardinhas, vieram-lhe à ideia os scones-, e a beber vinho tinto. Grupos e mais grupos discursando, apresentando argumentos por entre acesas discussões... E o Carlos lá foi andando, com a naturalidade e o ar pachorrento que lhe eram característicos. Até que... até que alguns operários repararam que ele destoava no meio daquela festa. As calças eram de ganga, como as de tantos que ali estavam, mas Levis todas bem engomadinhas, sem sinais de tinta de esmalte. Tinta, só se fosse da china, de alguma Mont Blanc de família mais traiçoeira. A camisa, imaculada e vincada, não enganava ninguém. As mãos não apresentavam sinais de vez alguma terem tocado numa pá que não fosse de plástico... e nas areias das praias da linha. A cara era de bebé Nestlé. E aquela trunfa, nada proletária, à Marquês de Pombal, ora bem! E foi assim que o Carlos começou a sentir-se rodeado pelo calor humano do proletariado. Senhor! Ajudai-me, Senhor porqu’ eu não sei com’ é que fiz isto, pensou. E logo, parecendo cair dos céus, se fez ouvir uma voz forte, firme, imponente e determinada: -«Não há problema, pessoal,» sentenciou aquela voz que, como referi, apesar de forte, firme, imponente e determinada, não era a do Senhor. E quanto a sarça ardente, nada. O que mais dela se assemelharia seriam as fogueiras das sardinhadas. «O rapaz é cá dos nossos,» exclamou, surgindo por entre a multidão, o Onassis. Não leitor, não era propriamente o fantasma do famoso milionário, mas sim um compagnon, amigo do Carlos. O Onassis não se chamava, obviamente, Onassis, mas sim Crespo. Aliás, era frequente, em pequenas localidades, marcadas por uma cultura predominantemente rural, que as pessoas conhecessem outras graças; maralha de um determinado estrato social, entenda-se, já que as elites preservavam as graças de baptismo e os títulos, herdados ou adquiridos. Quanto a outros epítetos, esses só surgiam, jocosamente, nas suas ausências, pela voz dos que se encontravam no estrato mais a baixo. As alcunhas eram, na sua essência, depreciativas, ou como anos mais tarde outras elites, também elas, saudosistas, diriam, politicamente incorrectas, já que exploravam determinados aspectos físicos ou características sociais ou psicológicas, não muito simpáticas para os seus destinatários. Para cúmulo dos cúmulos, passavam frequentemente de pais para filhos, de geração em geração, acompanhadas das narrativas que haviam estado nas suas origens. E se o leitor esboça neste momento um sorriso, é porque desconhece as delícias e as virtudes quotidianas da vida rural. Se calhar até compra Cds de grupos revivalistas com meninas da cidade a dançar o vira; se calhar até se saracoteia ao som dos grupos etnológicos de compagnons professores de trabalhos manuais do segundo ciclo do ensino básico com coletes pretos e cavaquinhos que rebuscam as verdadeiras raízes culturais e etnológicas do nosso povo; se calhar até simpatiza com o chique da romaria com banda no coreto. Sossegue leitor, sossegue, leitora, pois O Senhor, na Sua infinita misericórdia, perdoar-lhe-á, já que o meu amigo e a minha amiga, tal como os da parábola, não sabe o que faz, ou tem graves problemas de paladar. Só para ter um vago sabor das delícias da vida no campo, e se não entende a crueldade desta tradição, imagine-se a ser tratado por Texugo, até ao fim dos seus dias, só por causa de um tio-avô que você provavelmente nem sequer conheceu mas que, na sua juventude, tinha problemas de meteorismo. Imagine-se numa reunião do conselho de administração onde, por acaso, está presente um patrício que, em vez de o tratar pelos deferentes Sr. Dr. ou Sr. Administrador, exclama eufórico: -«Olha o Texugo!» Para logo explicar aos seus pares do órgão. «Desde a escola primária que não via o meu velho amigo Texugo. Por acaso sabem por que é que ele era conhecido pelo Texugo? O avô dele era famoso por estar sempre a dar uns tra...» Ou então, no caso da leitora, pense no gozo que teria ao ser conhecida, ao longo da vida, por Mata-Hari, devido a uma bisavó coscuvilheira. Imagine-se a ser tratada assim em todas as circunstâncias da sua vida. Recorra à sua imaginação, pois não há circunstância que escape; não há, não! O Crespo recebera, naturalmente, o cognome de Onassis porque alguém nele descortinara semelhanças físicas com o milionário. Outra ilustre personagem histórica era o Xärxíl, neste caso devido ao seu aspecto bonacheirão e à sua imponência física que fazia lembrar o estadista inglês Winston Churchill. Havia ainda, entre muitos mais, o Vietcong, assim agraciado porque, certo dia, fizera um imenso escabeche no parque de campismo para montar a barraca - as tendas foram inventadas mais tarde, quando a solenidade democrática as consagrou para retirar do limbo social as remediadas férias do popolo minuto. Corria a guerra do Vietname, e alguém exclamara: -«Porra, a barulheira que estes gajos fazem, até parece que vêm aí os vietcongs!» Escusado será dizer que o filho dele também se chama vietcong, e que o netinho, ainda com alguns meses, já herdou um carinhoso vietconguezinho, nome com o qual entrará para o jardim de infância, e que o acompanhará até à casa de repouso. Excepto se fugir para a cidade, e não regressar às origens; e mesmo assim há que rezar para que nunca haja a tal reunião do conselho de administração, onde alguém se lembre do vietconguezinho. Trata-se, como pode constatar, de uma espécie de versão rural da anamnsesis grega. Além disso, as alcunhas podiam ser mesmo particularmente cruéis e ... divertidas, caso não fossemos nós os destinatários. Atentai, caro leitor, cara leitora, nos seguintes exemplos escolhidos ao acaso: o Lâmpada Fundida, assim nomeado porque tinha um olho de vidro; o Pintas, um infeliz que ficara todo marcado pela varicela; o corno de vaca, assim apelidado porque, segundo se dizia, a mulher tinha um caso com outra mulher; ou, para encerrar este breve e sumário catálogo, o Tuiste, um carteiro que tinha uma perna ligeiramente mais curta do que a outra. Ser-me-á perdoada a digressão mas ela impõe-se pela sua pertinência histórica, visto o nosso frágil herói ter estado presente no instante do baptismo do Tuiste. A cerimónia teve lugar numa manhã ainda o Dezembro de 1973 acabara de dar os primeiros passos, quando o tímido sol de Outono convidava os frequentadores do café do Presidente da Junta de Freguesia a vir até à esplanada para observar as derradeiras tansumâncias femininas em direcção à praça. O padrinho fora o Jorge Caldeira, um aristocrata genuíno. Como qualquer aristocrata genuíno, o Jorge nunca conhecera os apertos de um relógio de ponto, e vivia dos rendimentos familiares com a mãe num palacete à saída da vila. O ócio era, também ele, genuinamente cultivado. Nesse dia, tal como nos outros dias, o Jorge levantara-se a meio da manhã, tomara o seu duche, escanhuara-se, vestira-se, tal como sempre, em tons castanhos e bejes, com o seu colete, em cujo bolso se insinuava um relógio, preso pela corrente de prata ao segundo botão a contar de cima, o seu laço com o nó feito par lui-même, e fora até ao café saborear a bica, acompanhada do inevitável Monserrate e de uns triviais dedos de conversa. Hélas, restava-lhe apenas um par de anos de vida, já que um dos seus hobbies do ócio lhe minava, em silêncio, o fígado. Contemplavam o Carlos e o Jorge o rame-rame habitual, quando este interrompeu o silêncio: -«Já reparou no fulano?» -«O Nelo da Albertina?» Inquiriu o Carlos. -«Sim,» anuiu o Jorge. «O Carlos não notou que o pobre de Cristo, anda sempre a subir e a descer, a subir e a descer, até parece que está sempre a dançar o twist.» A boca espalhou-se e o Nelo da Albertina deu lugar ao Tuiste. Regressando ao que importa. Naquela tarde junto à Assembleia, graças ao Onassis, o Carlos não comeu... uma doze de porrada dos compagnons da construção civil, nem provou scones com manteiguinha, mas, em contrapartida, petiscou umas deliciosas sardinhas assadas acabadinhas de fazer. Não bebeu chazinho preto, mas, em contrapartida, deu uns goles de uma excelente pomada. Não se sentou confortavelmente numa cadeira nas Vicentinas, mas, em contrapartida, empoleirou-se, às gargalhadas, nos muros da Assembleia. Não andou a deambular, ao acaso e melancólico, pelas ruas de Lisboa, recitando mental e atabalhoadamente Cesário Verde, mas, em contrapartida, teve direito a uma divertida visita guiada ao centro da História pelo meio dos sitiantes. Enquanto se passeava com o amigo, veio-lhe à ideia a mensagem que enviara para outro Assento mais bem colocado, e concluíra que, naquela tarde, também Ele estivera ali, em São Bento, no cerco dos operários da construção civil.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Uma manhã de trabalho na CPLP

Reunião da Comissão Temática de Educação, Ensino Superior, Ciência & Tecnologia, dos Observadores Consultivos da CPLP, que coordeno em representação da Sociedade de Geografia de Lisboa. Várias medidas relevantes aqui adoptadas: a da divulgação de notícias envolvendo a comissão temática através da plataforma informática, a criação de um grupo que irá operacionalizar o Instituto Paulo Freire (uma ideia de Ana Benavente que ela irá implementar através do grupo que envolve representantes, não só dos observadores consultivos, mas também das entidades convidadas), e a criação de um grupo que irá levar a cabo uma conferência, em Março, sobre a mobilidade académica no âmbito da CPLP. Há quem considere que faz política e intervenção social através de posts no Facebook, eu, à velha maneira clássica, prefiro trabalhar. E, como se pode ver pelo elevado número de pessoas presentes na sala, muitos mais subscrevem estes hábitos tradicionais.