segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Only an expert can deal with the problem



Há uns anitos, algures em finais dos 80s, começou a emergir na tv o hábito de introduzir especialistas nos debates.
Explico-me melhor: se havia um debate sofre conflitos na escola, era necessário um psicólogo, um sociólogo, um educador, um encarregado de educação... e assim se cobria o espectro prismático de abordagem do... problema.
Mas, se o debate fosse... sobre a sociedade de consumo? Então era necessário um psicólogo, um sociólogo, um representante do.. consumo e... um consumidor que podia muito bem ser... um educador, ou... um encarregado de educação...
E se o debate fosse... Não importa prosseguir.
Gradualmente, a ideia que cada um de nós pode ter reflectir sobre algo foi elidida, já que fomos substituídos por... especialistas, gente iluminada, claro!
Mais recentemente emergiu uma nova espécie de... especialistas. São eles os... politólogos, isto é, gente que reproduz banalidades sobre política doméstica e sobre a outra... gente legitimada por uma qualquer instituição universitária. São eles os especialistas da política.
Com este tsunami iluminado dos especialistas, nós, os que não somos especialistas, ou seja, quase todos nós, só podemos ter opinião após sermos... iluminados pelos especialistas.
Chama-se a isto (entre outras coisas) o estilhaçar do saber.
Na sequência desse estilhaçar, há quem pense que os meninos deviam ter disciplinas (unidades curriculares, melhor seria dizer) sobre... condução... civismo... e etc.
Perdeu-se a noção de educação como formação.
Prevalece hoje o discurso espartilhado, técnico... o dos especialistas.
Foi por tudo isto que me regozijei por ter encontrado este lúcido texto de Laurie Anderson no seu mais recente trabalho, Homeland.
O título deste texto é... Only and expert, claro!
Felizes somos por termos ainda vozes como a de Laurie Anderson.
Deixo-vos o texto, a par da capa do cd e de uma imagem de um... espectro, perdão, de um especialista!
"Now only an expert can deal with the problem
Because half the problem is seeing the problem
And only an expert can deal with the problem
Only an expert can deal with the problem

So if there’s no expert dealing with the problem
It’s really actually twice the problem
Cause only an expert can deal with the problem
Only an expert can deal with the problem

Now in America we like solutions
We like solutions to problems
And there’s so many companies that offer solutions
Companies with names like Pet Solution
The Hair Solution. The Debt Solution. The World Solution. The Sushi Solution.
Companies with experts ready to solve the problems.
Cause only an expert can see there’s a problem
And only an expert can deal with the problem
Only and expert can deal with the problem

Now let’s say you’re invited to be on Oprah
And you don’t have a problem
But you want to go on the show, so you need a problem
So you invent a problem
But if you’re not an expert in problems
You’re probably not going to invent a very plausible problem
And so you’re probably going to get nailed
You’re going to get exposed
You’re going to have to bow down and apologize
And beg for the public’s forgiveness.
Cause only an expert can see there’s a problem
And only an expert can deal with the problem
Only an expert can deal with the problem

Now on these shows, the shows that try to solve your problems
The big question is always “How can I get control?
How can I take control?”
But don’t forget this is a question for the regular viewer
The person who’s barely getting by.
The person who’s watching shows about people with problems
The person who’s part of the 60% of the U.S. population
1.3 weeks away, 1.3 pay checks away from homelessness.
In other words, a person with problems.
So when experts say, “Let’s get to the root of the problem
Let’s take control of the problem
So if you take control of the problem you can solve the problem.”
Now often this doesn’t work at all because the situation is completely out of control.
Cause only an expert can deal with the problem
Only an expert can deal with the problem
Only an expert can deal with the problem

So who are these experts?
Experts are usually self-appointed people or elected officials
Or people skilled in sales techniques, trained or self-taught
To focus on things that might be identified as problems.
Now sometimes these things are not actually problems.
But the expert is someone who studies the problem
And tries to solve the problem.
The expert is someone who carries malpractice insurance.
Because often the solution becomes the problem.
Cause only an expert can deal with the problem
Only an expert can deal with the problem
Only an expert can deal with the problem

Now sometimes experts look for weapons.
And sometimes they look everywhere for weapons.
And sometimes when they don’t find any weapons
Sometimes other experts say, “If you haven’t found any weapons
It doesn’t mean there are no weapons.”
And other experts looking for weapons find things like cleaning fluids.
And refrigerator rods. And small magnets. And they say,
“These things may look like common objects to you
But in our opinion, they could be weapons.
Or they could be used to make weapons.
Or they could be used to ship weapons.
Or to store weapons.”
Cause only an expert can see they might be weapons
And only an expert can see they might be problems.
Cause only an expert can deal with the problem
Only an expert can deal with the problem
Only an expert can deal with the problem

And sometimes, if it’s really really really hot.
And it’s July in January.
And there’s no more snow and huge waves are wiping out cities.
And hurricanes are everywhere.
And everyone knows it’s a problem.
But if some of the experts say it’s no problem
And other experts claim it’s no problem
Or explain why it’s no problem
Then it’s simply not a problem.
But when an expert says it’s a problem
And makes a movie and wins an Oscar about the problem
Then all the other experts have to agree that it is most likely a problem.
Cause only an expert can deal with the problem
Only an expert can deal with the problem
Only an expert can deal with the problem

And even though a county can invade another country.
And flatten it. And ruin it. And create havoc and civil war in that other country
If the experts say that it’s not a problem
And everyone agrees that they’re experts good at seeing problems
Then invading that country is simply not a problem.
And if a country tortures people
And holds citizens without cause or trial and sets up military tribunals
This is also not a problem.
Unless there’s an expert who says it’s the beginning of a problem.
Cause only an expert can deal with the problem
Only an expert can deal with the problem
Only an expert can deal with the problem

Only an expert can see there’s a problem
And see the problem is half the problem
And only an expert can deal with the problem
Only an expert can deal with the problem"

sábado, 25 de dezembro de 2010

Partilho convosco


a mensagem de um amigo.
Ei-la:
'Dizia Simone Weil que ,«a beleza é quando Deus vem procurar o homem». Sintamo-nos buscados.'
Um final de noite feliz para quem por aqui passe!

Neste dia, um desenho de Rui Aleixo


do Prólogo do Evangelho segundo São João, e algumas palavras do discurso de Bento XVI ao mundo da cultura, pronunciado a 12 de Maio de 2010, no CCB:
«Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza».
[fonte, site da Pastoral da Cultura]

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Ouvir contar estes factos como se fosse a primeira vez...



Do Antigo Testamento
Livro de Malaquias 3,1-4.23-24.

«Eis que Eu vou enviar o meu mensageiro, a fim de que ele prepare o caminho à minha frente. E imediatamente entrará no seu santuário o Senhor, que vós procurais, e o mensageiro da aliança, que vós desejais. Ei-lo que chega! –, diz o Senhor do universo. Quem suportará o dia da sua chegada? Quem poderá resistir, quando ele aparecer? Porque ele é como o fogo do fundidor e como a barrela das lavadeiras. Ele sentar-se-á como fundidor e purificador. Purificará os filhos de Levi e os refinará, como se refinam o ouro e a prata. E assim eles serão para o Senhor os que apresentam a oferta legítima. Então, a oferta de Judá e de Jerusalém será agradável ao Senhor como nos dias antigos, como nos anos de outrora. Eis que vou enviar-vos o profeta Elias, antes que chegue o Dia do Senhor, dia grande e terrível. Ele fará com que o coração dos pais se aproxime dos filhos, e o coração dos filhos se aproxime dos seus pais, para que Eu não tenha de vir castigar a terra com o anátema.»

Ao Novo Testamento

Evangelho segundo S. Lucas 1,57-66.

Entretanto, chegou o dia em que Isabel devia dar à luz e teve um filho. Os seus vizinhos e parentes, sabendo que o Senhor manifestara nela a sua misericórdia, rejubilaram com ela. Ao oitavo dia, foram circuncidar o menino e queriam dar-lhe o nome do pai, Zacarias. Mas, tomando a palavra, a mãe disse: «Não; há-de chamar se João.» Disseram-lhe: «Não há ninguém na tua família que tenha esse nome.» Então, por sinais, perguntaram ao pai como queria que ele se chamasse. Pedindo uma placa, o pai escreveu: «O seu nome é João.» E todos se admiraram. Imediatamente a sua boca abriu-se, a língua desprendeu-se-lhe e começou a falar, bendizendo a Deus. O temor apoderou-se de todos os seus vizinhos, e por toda a montanha da Judeia se divulgaram aqueles factos. Quantos os ouviam retinham-nos na memória e diziam para si próprios: «Quem virá a ser este menino?» Na verdade, a mão do Senhor estava com ele.

A mesma Presença

Comentário ao Evangelho do dia feito por :

Liturgia bizantina
Lucernário das Grandes Vésperas da festa da Natividade de João Baptista
(a partir da trad. Chevetogne)

«Começou a falar, bendizendo a Deus.


Pelo seu nascimento, São João
pôs fim ao silêncio de Zacarias:
a partir desse momento, não pôde mais calar-se
aquele que gerou a voz que brada no deserto (Mt 3, 3),
anunciando a vinda de Cristo.
Mas, como a incredulidade
começara por prender a língua do pai,
a manifestação devolveu-lhe a liberdade;
e foi assim anunciada, e depois trazida à luz
a voz do Verbo, o Precursor da Claridade,
que intercede pelas nossas almas.


Neste dia, a Voz do Verbo liberta
a voz paternal, prisioneira da sua falta de fé;
da Igreja manifesta a fecundidade,
fazendo cessar a maternal esterilidade.
À frente da luz avança o candelabro
do Sol da Justiça recebe o reflexo (Mal 3, 20)
o raio que anuncia a Sua vinda
para a restauração universal
e a salvação das nossas almas.


Eis que avança, vindo de um seio estéril,
o mensageiro do Verbo Divino,
que haveria de nascer de um seio virginal
o maior de todos os filhos dos homens (Mt 11, 11),
o profeta que não tem igual;
porque as coisas divinas precisam de um começo maravilhoso,
seja a fecundidade numa idade avançada (Lc 1, 7),
ou a concepção operada sem semente.
Glória a Ti, ó Deus, que fazes maravilhas pela nossa salvação. [...]


Apóstolo universal,
objecto do anúncio de Gabriel (Lc 1, 36),
ramo nascido da estéril e mais bela flor do deserto,
amigo íntimo do Esposo (Jo 3, 29),
profeta digno de aclamação,
pede a Cristo que tenha piedade das nossas almas.»

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A quem por aqui passa,


com o sublime El Greco,
e as lúcidas palavras de José Tolentino Mendonça,
votos de um feliz Natal.


“O Presépio somos nós
É dentro de nós que Jesus nasce
Dentro da alegria e da nudez do tempo
Dentro do calor da casa e do relento imprevisto
Dentro do declive e da planura
Dentro da lâmpada e do grito
Dentro da sede e da fonte
Dentro do agora e dentro do eterno”

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Descobri, através de uma amiga,


que a Lisa Simpson também lia The Bell Jar. Afinal, era inevitável.
Com a devida vénia à Lisa, aqui vos deixo as linhas iniciais do romance, onde Plath estabelece uma analogia intensa entre a tensão psicológica e a cena histórica - o macartismo e a execução dos Rosenberg.
Estranhos estes anos 50!
Prometo voltar antes do Natal com algo de eufórico.
Para já, aqui fica Plath no seu melhor:
It was a queer, sultry summer, the summer they executed the Rosenbergs, and I didn't know what I was doing in New York. I'm stupid about executions. The idea of being electrocuted makes me sick, and that's all there was to read about in the papers -- goggle-eyed headlines staring up at me at every street corner and at the fusty, peanut-smelling mouth of every subway. It had nothing to do with me, but I couldn't help wondering what it would be like, being burned alive all along your nerves.

I thought it must be the worst thing in the world.

New York was bad enough. By nine in the morning the fake, country-wet freshness that somehow seeped in overnight evaporated like the tail end of a sweet dream. Mirage-gray at the bottom of their granite canyons, the hot streets wavered in the sun, the car tops sizzled and glittered, and the dry, cindery dust blew into my eyes and down my throat.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Francisco Ferreira criou as Imagens


Herberto Helder concebeu as palavras:
"... que
o mundo é um caos sumptuoso - este
é o segredo:
música, e eu estou bêbado, e é tão amargo o tempo,
tão irrevocável,
quero eu dizer: doce é ouvir o que se ouve muito junto ao ouvido,
enquanto se responde ao movimento dos dedos..."

in Lapinha do Deserto

Um bom fim de semana!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

To whom it may concern


ou dizendo melhor: a quem possa interessar, aqui fica a informação, no Jornal de Letras saiu hoje uma entrevista com yours truly a propósito de Inveja - uma novela académica.
Um resto de bom dia!

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Aos idiotas úteis


dos nossos dias, adeptos do relativismo cultural, deixo esta notícia colhida no DN. Escusado será dizer que não vi nem verei o video.
Eu sei de que lado estou.
Do lado da ética partilhada de que falava Enzo Bianchi.
Na defesa do exercício da razão.
Eis a notícia:

"Sudão: Mulher chicoteada no meio da rua por usar calças

por DN.ptHoje

Um impressionante vídeo amador de uma mulher, no Sudão, a ser chicoteada pela polícia em nome da lei da moral Sharia, por estar a usar calças debaixo das vestes muçulmanas, foi parar à Internet e está a gerar polémica.

No vídeo, não aconselhável a pessoas impressionáveis, vê-se a mulher rodeada de homens, aos gritos, pedindo clemência, enquanto pelo menos dois deles, supostamente agentes policiais, a chicoteiam sem piedade.

Segundo o editor internacional do canal britânico SkyNews, que também divulgou o vídeo, estas são imagens raras de um acontecimento que é mais frequente do que se pensa."

Música com entrada livre


Eis três sugestões para evitar a melancolia e fruir estes tempos:

Dia 17, 21h30

Orquestra Sinfónica Juvenil - Basílica da Estrela

A Missa in Angustiis – para os tempos de angústia, de rigor – ou Missa de Lord Nelson, em ré menor, é uma das catorze missas escritas por Joseph Haydn. Foi composta em 1798, em Eisenstadt. É a décima primeira, composta no final da sua vida, entre o seu regresso de Londres, em 1795, e o fim da sua carreira de compositor, em 1802. Caracterizada por um constante ambiente dramático, a que não é estranho a tonalidade sombria de ré menor, trata-se da Missa mais popular do compositor. Na sua sonoridade característica é uma obra considerada, hoje, como o ponto mais alto da composição litúrgica de Joseph Haydn.

Obras: Kyrie; Gloria; Qui tolli; Credo; Et resurrexit; Sanctus; Benedictus; Agnus Dei; Dona



Dia 18, 16h00

Natal Barroco - Companhia de Ópera do Castelo - Igreja de Santo Agostinho (Marvila)

Este programa enaltece o Natal a partir de algum do mais extraordinário repertório com que o Barroco do norte da Europa nos presenteou. Em pleno século XVIII, a música sacra tinha um papel muito importante na sociedade. A Igreja como patrona das artes em geral, da música em particular, incumbia compositores importantes de “secularizar” em música o Evangelho. As obras sacras propostas - de Johann Sebastian Bach, Georg Philipp Telemann e Heinrich Ignaz Franz von Biber retratam os vários momentos que antecedem o nascimento de Jesus Cristo até à adoração do menino, com uma música sacra não apenas pelo conteúdo dos seus textos, mas pela grandeza, expressividade e fé nela expressas. O conteúdo dos textos usados por estes compositores aliados a uma música de uma beleza e fé impressionantes é uma mensagem tocante com séculos de riqueza espiritual e esperança.

Obras: Johann Sebastian Bach: Ária da Paixão segundo São João BWV 245 - Ich folge dir gleichfals mit freudigen Schritten (Também te sigo Senhor, com passos alegres). G. Ph. Telemann: Trio sonata em Fá Maior; Lauter Wonne, Lauter Freude (Soem a Alegria e Felicidade). Heinrich Ignaz Franz von Biber: Sonata das Rozenkrant-sonaten (sonatas do Rosário), Sonata da Anunciação. Johann Sebastian Bach: Ária da Oratória de Natal (Weihnachts-Oratorium), BWV 248; FlöBst, mein Heiland, flöBst dein Namen (Transporta, Ó Salvador, o teu nome)



Dia 19, 16h00

Natal Europeu - Orquestra de Câmara Portuguesa - Igreja de S. Domingos

Num programa romântico que percorre várias correntes musicais do Velho Continente, a Orquestra de Câmara Portuguesa (OCP) oferece a música intensa da maravilhosa Serenata para Cordas do compositor russo Pyotr Ilyich Tchaikovsky. Para abrir o concerto, a vitalidade criativa de um dos maiores génios da música portuguesa, o compositor Joly Braga Santos: uma obra de contrastes e contagiantes ritmos convocadores de uma serenidade espiritual inefável. Um concerto comentado e apresentado pelo maestro Pedro Carneiro.

Obras: Joly Braga Santos: Concerto em Ré, para orquestra de cordas, op.17. Pyotr Ilyich Tchaikovsky: Serenata para Cordas em Dó Maior, op. 48

Boas músicas!

Desassossego,


o filme do dito, está em debate, hoje, às 14h, no afiteatro II, da Faculdade de Letras de Lisboa.
João Botelho estará presente e participará no debate, no qual estarão igualmente Fernando Cabral Martins, reconhecido epecialista pessoano (e que deu corpo a Pessoa em Conversa Acabada, de Botelho), e Mário Jorge Torres, cujos conhecimentos a nível de estudos fílmicos são particularmente singulares.
Com este painel de luxo, promete!
Se puderem, apareçam.
Eu vou estar por lá!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Um anjo na capela do Rato


e um poema de Rilke:

Quem das legiões de anjos?
(Primeira Elegia)


Se gritasse, quem das legiões de anjos escutaria
o grito? E mesmo se, inesperadamente,
um deles me acolhesse no coração: sucumbiria à sua
existência mais forte! Pois o belo não é senão
o princípio do espanto que mal conseguimos suportar,
e ainda assim, o admiramos porque, sereno,
deixa de nos destruir. Todo anjo é espantoso.


E por isso me contenho e refreio o apelo
de um soluço obscuro. Então quem
nos poderia valer? Anjos, não, homens, não,
e os animais inventivos logo se apercebem
de que não nos sentimos muito em casa
no mundo das explicações. Resta-nos talvez
uma árvore na encosta, para vermos e revermos
todos os dias. Resta-nos a estrada de ontem
e o apelo mimado de um hábito
que por nós se afeiçoou, permaneceu e não foi embora.


E a noite, a noite quando o vento cheio de espaços do mundo
nos desgasta a face - para quem ela não saberia ser desejo e suave decepção,
ela, cuja proximidade pesa sobre
o coração solitário! Será mais leve para os amantes?
Juntos, eles apenas encobrem um para o outro seu destino.
Ainda não sabias? Lança o vazio aprisionado nos braços
para os espaços que respiramos! Talvez os pássaros sintam,
num voo de maior intimidade, o ar mais amplo.


Boa semana.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Uma pergunta


ao entardecer:
Se i capelli fossero sentimenti
Il vento cosa sarebe?

(Francesco De Gregori)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Vagueando


por aí, um qualquer remoto parente, talvez antecipando a minha costela americana, fixou a nossa graça no velho Oeste, com a simpática vaquinha (que inevitavelmente me traz à memória os Pink Floyd).

Twain, de novo!


Desta feita uma entrevista com yours truly no Diário de Notícias de hoje.
Aqui fica a informação para quem estiver interessado.
Quem queira ver um passo da entrevista, pode aceder ao espaço Galeria.
Boa semana!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O primeiro volume da biografia de Mark Twain



foi recentemente publicado.
Cem anos após a morte do autor.
Com os votos de um bom fim de semana, deixo-vos as linhas iniciais do texto que escrevi para o JL, esperando que vos estimule a ler as restantes:
Quem não se lembra de Clarence, o simpático e algo desajeitado anjo de Do céu caiu uma estrela, de Frank Capra?
Quando foi chamado à presença de Deus para ser incumbido da missão que lhe concederia as asas, pelas quais esperava há duzentos anos, Clarence estava a ler... As aventuras de Tom Sawyer. Será este livro que, no final do filme, o protagonista, George Bailey (Jimmy Stewart), irá encontrar entre as muitas notas que os amigos reuniram para o salvar. Clarence deixara aí o livro com uma dedicatória: “Querido George, lembra-te de que nenhum homem com amigos é um falhado. Obrigado pelas asas..., Clarence.”
Afinal, Frank Capra, o mais americano dos realizadores, teria de escolher o mais americano dos romances.
Com efeito, se, na poesia, Walt Whitman incorpora uma atitude e uma sensibilidade emblemáticas da jovem nação, poucos duvidarão que Mark Twain, e as suas celebradas criações – os jovens irreverentes, inocentes e livres Tom Sawyer e Huck Finn , reclamam esse estatuto na prosa.
Nascido numa época em que a Fronteira era uma realidade em aberto, Samuel Clemens/Mark Twain irá viver alguns dos momentos mais significativos da construção da identidade (histórica e mítica) americana: para além da experiência da Fronteira e o quotidiano no Oeste (secretário do governador do Nevada e jornalista em São Francisco), a emergência do conceito de Destino Manifesto (que, na sequência do imaginário e da retórica calvinistas, atribui à América um estatuto messiânico, ainda hoje reconhecível em certos discursos políticos), a corrida ao ouro, a construção do caminho de ferro transcontinental, a Guerra Civil, o assassinato de Lincoln, a chamada Idade Dourada (que ele toma como cenário para The Gilded Age), a crise económica, política e ética que se lhe seguiu (por ele satirizada em “O homem que corrompeu Hadleyburg”1), e a Era Progressiva, corporizada nessa figura singular que foi Theodore Roosevelt e que tanto contribuiu para a elevação do cowboy a uma dimensão mítica e para a sua incorporação no imaginário americano moderno (apesar da simpatia que Twain por ele nutria, Roosevelt não escaparia ao seu registo mordaz).
Tanto a mencionada actividade como jornalista, como o contacto que desde cedo manteve com as elites políticas e culturais do seu país, fizeram de Twain um intérprete único desse relevante segmento da História americana no qual a modernidade dá os primeiros passos.
Sendo ele um espectador e actor privilegiado desses tempos, e possuidor de uma mordaz ironia, não será de estranhar que o início da publicação da sua autobiografia tenha sido aguardado com tanta expectativa, em particular porque decorreram cem anos desde a data da sua morte.