quarta-feira, 27 de abril de 2016

Recomendo vivamente! Estará em exibição em breve...

Quando se reproduzem frases feitas sobre uma suposta indiferenciação cultural nos tempos que vivemos (leituras distorcidas da chamada aldeia global), sugiro esta meditação sobre a memória, a vida para além da morte, o passado, e as suas confluências. A par da sugestão deixo-vos, por isso, algumas palavras de Apichatpong Weersasethakul, o realizador, a propósito de Cemitério do Esplendor: "A arquitectura foi um caminho que me fez apreciar o espaço e também os filmes experimentais, os feitos nos Estados Unidos nos anos 60 e 70, que são muito estruturais, e isso é algo que vejo como arquitectura. Vejo um filme como uma linha de tempo e blocos de diferentes espaços, e a arquitectura foi muito importante para isso. O cinema experimental representa a liberdade de fazer filmes, o que para mim é muito importante, desde logo porque sou muito introvertido, e o cinema experimental é o contrário de se trabalhar com uma grande equipa, faz-se apenas numa câmara escura, é como pintura." "... no filme há muitas, muitas camadas de coisas que podem activar a memória ou a imaginação. O que está por baixo não se sabe ao certo. Uma informação é que é um cemitério. Mas podia ser outra coisa, como uma rede de fibra óptica. Mas por mim não sei realmente o que está por baixo, na terra."

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Leonídio Paulo Ferreira, no Diário de Notícias, a propósito do bardo

Uma trupe de marinheiros britânicos, um público de chefes africanos e um intérprete de português. Foi assim, em setembro de 1607 num navio junto à Serra Leoa, que Hamlet foi pela primeira vez encenado fora da Europa e também pela primeira vez traduzido. Lucas Fernandez, que fontes da época dizem que falava português perfeito, foi traduzindo cada frase da peça de William Shakespeare para a assistência, onde estava o seu cunhado e rei daquela parte de África. Velho amigo dos portugueses, o povo temne enviava a elite para estudar em Lisboa com os jesuítas e nem o domínio filipino afetou a aliança. "O episódio é conhecido, embora não consiga identificar um registo coevo entre nós", explica Mário Avelar, professor catedrático de Estudos Anglo-Americanos. E acrescenta: "Parece-me que é, acima de tudo, significativo por revelar a importância que Shakespeare tinha para os seus contemporâneos, e, em particular, a sua popularidade. Resta, todavia, a questão de saber que Hamlet foi exibido? Com efeito, na altura já haviam sido editadas duas versões de Hamlet, o primeiro Quarto (assim designado devido à forma como a folha era dobrada), vindo a lume em 1603, que terá sido escrito a partir da memória, eventualmente por um ator que teria participado numa encenação, e o segundo Quarto, publicado no ano seguinte, e que já revela uma extensão considerável, idêntica àquela que vemos hoje em dia serem levadas à cena. Terá sido um destes Hamlets?" O académico, em conversa com o DN, avança ainda outra hipótese: "Ou terá sido uma modelação de uma destas versões? Uma versão truncada, por exemplo?" O navio que serviu de palco foi o Red Dragon. Ia a caminho do Oriente, com o capitão William Keeling a ancorar na foz de um rio da Serra Leoa enquanto esperava que a tripulação se curasse do escorbuto e outras maleitas. Que tenha encontrado negros a falar português não deve surpreender, como nota o historiador João Paulo Oliveira e Costa, pois "os portugueses frequentavam a região há cem anos e alguns ficaram a viver lá". Contudo, não se pode falar do português na África como língua franca, quando muito era "falado nas praias frequentadas pelos portugueses". Segundo o autor de História da Expansão e do Império Português (A Esfera dos Livros, 2012), é na Ásia que se pode afirmar tal. "Ao longo do século XVI, os portugueses foram os únicos europeus que frequentaram todos os mares da Ásia. Por isso, o português tornou-se língua franca e holandeses e ingleses celebraram os primeiros tratados com Estados asiáticos em língua portuguesa." Ora é esse domínio militar e comercial de Portugal no Índico que navios como o Red Dragon, que seguia para a Indonésia, pretendiam quebrar. Numa anterior viagem, a embarcação chegou a visitar feitorias portuguesas, assistindo a combates com os cobiçosos holandeses. Será, aliás, numa batalha com a Marinha holandesa que o Red Dragon será afundado em 1619, talvez ainda com algum marinheiro dos que tinham entrado na peça sobre o príncipe dinamarquês. Navio Red Dragon foi palco de várias peças de Shakespeare como diplomacia cultural O episódio de Hamlet em África foi pioneiro mas não único e sabe--se que outras peças de Shakespeare foram encenadas em navios, quase como diplomacia cultural. Mas traduções clássicas, essas, limitaram-se de início à Europa, como sublinha Mário Avelar: "Os textos dramáticos de Shakespeare começaram a ser divulgados na Europa continental ainda em vida do autor. As primeiras traduções em alemão datam de 1624, ou seja, no ano seguinte à publicação do Primeiro Fólio, da responsabilidade de dois atores que haviam trabalhado com Shakespeare, e que consolidaria um cânone inicial. Surgiram depois as traduções francesas, já no século XVIII, o que não significa que ele não tenha continuado a ser levado à cena por essa Europa fora." Em Portugal, foi preciso esperar mais pelas traduções do bardo de Stratford-upon-Avon. Hamlet só se popularizou em finais do século XIX graças à tradução por D. Luís, como notou em recente entrevista ao DN Joanna Burke, diretora do British Council. Sobre a representação pelos marinheiros ao largo de África, Diogo Infante, que já foi Hamlet em palco, diz achar "absolutamente credível uma encenação num navio". E sublinha que "a grande vantagem do teatro é a capacidade para se transpor no tempo e no espaço". Para o ator, basta pensar na simplicidade do Globe Theater da época de Shakespeare, reconstruído em Londres, com a estrutura em madeira. Nunca se saberá como Lucas Fernandez traduziu a primeira fala de Hamlet "Who"s there?". Pode ter sido "Quem está aí?, como fez Sophia de Mello Breyner, ou "Quem vem lá?, a opção do brasileiro Péricles Eugênio da Silva Ramos . Mas é inegável que esta encenação de "Hamlet num cenário afro-português" (assim o descreve uma History in Africa publicada por Cambridge) faz parte da história do genial inglês que viveu entre 1564 e 1616 e cujos 400 anos da morte se assinalam amanhã. Como diz Mário Avelar, autor de O Essencial sobre William Shakespeare (INCM, 2012), "nunca ninguém como Shakespeare foi tão longe na capacidade de verbalizar a complexidade do ser humano, as nossas contradições, aquilo que persiste nos espaços mais recônditos do inconsciente, aquilo que nos eleva aos atos mais heroicos e que faz de nós seres desprezíveis. Falstaff, ele sintetiza toda essa generosidade, os instintos básicos, o prazer e a melancolia, também. E não posso deixar de acentuar esta palavra, verbalizar. Nunca ninguém, como ele, levou tão longe o poder da palavra, o seu poder de nos revelar".

Welles e Shakespeare

Saiu um novo número da vértice, desta feita dedicada ao Mestre Orson Welles. Podereis encontrar aí um texto meu sobre o diálogo de Welles com Shakespeare.

"Cristo e o Cirineu", de Ticiano

"A invocação de Deus como Pai é conhecida em muitas religiões. A divindade é muitas vezes considerada pai dos deuses e dos homens. Em Israel, porém, Deus é chamado Pai enquanto Criador do mundo. Mais ainda, Deus é Pai em razão da Aliança e do dom da Lei a Israel, que é o seu «filho primogénito» (Ex 4,22). E é também chamado Pai do Rei de Israel. Ele é muito especialmente o Pai dos pobres, do órfão e da viúva que estão sob a sua protecção amorosa. Jesus revelou que Deus é Pai num sentido inaudito: não o é somente enquanto Criador, mas é eternamente Pai em relação a seu Filho único, que só é eternamente Filho em relação a seu Pai: «Ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar» (Mt 11,27). " (Catecismo da Igreja Católica § 238, 240-242 )

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Sobre os tempos que vivemos...

um passo de Amoris laetitia - A Alegria do Amor, do Papa Francisco: "O amor de amizade chama-se 'caridade' quando capta e aprecia o 'valor sublime' que tem o outro. A beleza - o 'valor sublime' do outro, que não coincide com os seus atractivos físicos ou psicológicos - permite-nos saborear o carácter sagrado da pessoa, sem a imperiosa necessidade de a possuir. Na sociedade de consumo, o sentido estético empobrece-se e, assim, apaga-se a alegria. Tudo se destina ser comprado, possuído ou consumido, incluindo as pessoas. Ao contrário, a ternura é uma manifestação deste amor que se liberta da posse egoísta. Leva-nos a vibrar à vista de uma pessoa, com imenso respeito e um certo receio de lhe causar dano ou tirar a sua liberdade. O amor pelo outro implica este gosto de contemplar e apreciar o que é belo e sagrado do seu ser pessoal, que existe para além das minhas necessidades. Isto permite-nos procurar o seu bem, mesmo quando sei que não pode ser meu ou quando se tornou fisicamente desagradável, agressivo ou chato." (p. 84, na edito da Paulus)