terça-feira, 28 de junho de 2011

Música ligeira e "Moby-Dick"


Sei que a chamada música ligeira italiana contemporânea não é particularmente conhecida por estes lados. De uma das suas ausências entre nós, Francesco De Gregori, já falei neste lugar, nomeadamente da forma como ele dialogou com um dos grandes mitos americanos, Buffalo Bill.
Hoje venho trazer-vos novas de outra ausência, Vinicio Capossela, mais particularmente do seu mais recente cd, Marinai, profeti e balene. Porquê? Porque nesta obra Capossela revisita a minha obra de cabeceira, do meu autor predilecto: Moby-Dick e Herman Melville, claro... E ainda outros momentos maiores da obra de Melville, como Billy-Budd.
Quem gosta de Einstürzende Neubaten, por certo gostará de Capossela.
Deixo-vos uns versos da sua releitura do belíssimo capítulo "The Whiteness of the Whale":
"Bianco l'inverno bianco, la neve bianca,
bianca la notte
Bianca l'insonnia bianca, la morte bianca e bianca la paura è bianca

L'universo vacuo e senza colore
Ci sta davanti come un lebbroso
Anche questo è la bianchezza della balena"

Tem toda a razão!
importa referir que o nosso amigo Capossela recorreu à canónica tradução de Cesare Pavese, feita nos já distantes anos 30.
Boas melodias!

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A propósito de "Inveja"


escreveu Pedro Teixeira das Neves o que em seguida transcrevo:


A inveja, tal como a poesia, bem poderia dizer-se ser apanágio português. Não sei se seria exagero chegar ao ponto de dizer que somos um país de invejosos, mas que por aí muito poeta na matéria abunda, parece ser bem provável. Pelo menos é o que em parte ressalta da leitura do mais recente romance de Mário Avelar, justamente de sua graça «Inveja». É um livro muito curioso, muito bem escrito, muito bem-disposto ou irónico, muito interessante e, de certa forma, corajoso. Sim, porque não é todos os dias que somos capazes de nos ver ao espelho! Sobretudo para nele vermos os nossos defeitos. No caso, a inveja, pecado que, lido o romance, assaz praticamos sem que inferno algum nos pareça ferver o suficiente para nos assustar ao ponto de nos redimirmos em sãos comportamentos conforme a uma qualquer moral. Ora bem, posto isto, a história: tudo se passa em cerca de meia-hora, o tempo qb para uma investidura ou uma tomada de posse (e muitas pomadas para a tosse, diria O’Neill…). Situemo-nos: um palacete alfacinha no qual o respeitoso Instituto Camões procede à supracitada investidura de um novo presidente. Que presidente? – eis a questão, fundamental, de resto. Isto porque Francisco Villa-Verde, outrora Vila apenas com um l, outrora também mais conhecido pelo nome de guerra Xico-Xicão, escapa, pelo seu passado “errante”, aos trâmites do que é normal decorrer no âmbito académico em matéria de progressão profissional e social. Na verdade, Francisco, aos olhos dos seus pares invejosos, não é detentor de predicados curriculares dignos de lembrança. Ora é durante o rame-rame burocrático da tomada de posse, que, entre olhares e pensamentos cruzados que vagueiam pelos circunstantes ao acto, que se vai delinear um quadro histórico do país, morais e costumes, ao longo das últimas décadas. Verdadeira crónica de costumes, aos nossos olhos perpassa um cortejo de figuras, figurantes e figurões que bem atestam o país de onde viemos e que hoje somos. E, sobretudo, que bem atesta o meio comezinho, intriguista, interesseiro, de pose e parecença, que é aquele dos movediços corredores de poder nas mais variadas áreas da sociedade, da política à cultural. Jocoso, sarcástico, irónico, este romance de Mário Avelar assume diversas qualidades, entre elas a coragem de pôr tudo isto a nu, sobretudo num meio literário como o nosso em que um estranho apelo pelo cinzentismo auto-contemplatório parece fazer submergir a generalidade das almas criativas. «Chega de Saudade», apetece por vezes dizer ao país de poetas cuja literatura parece ter desaprendido o riso. Valham as excepções, como esta. Mas atenção, não nos enganemos: o riso é uma arma. E aqui, por via do humor, fala-se a sério de muitas coisas sobre as quais seriamente devíamos pensar ou que nos deviam deixar a pensar a sério!


Se já fiz referência a este texto, aceitai o equívoco como um sinal de degenerescência neurológica (velhice, jamais!)...

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Antecipando o ano que vem


uns versos de W. H. Auden, retirados do poema intitulado "On the circuit", na fraternidade das idiossincrasias.
O bom velho humor anglo-saxónico (seja lá o que isso for!):


"A sulky fifty-six, he finds
A change of mealtime utter hell,
Grown far too crotchety to like
A luxury hotel.

The Bible is a goodly book
I always can peruse with zest,
But really cannot say the same
For Hilton's Be My Guest.

Nor bear with equanimity
The radio in students' cars,
Muzak at breakfast, or-dear God!-
Girl-organists in bars."

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Inveja no Porto


Retirados do Twitter, eis alguns fragmentos da conversa, a propósito de Inveja, que tivemos na Feira do Livro do Porto.
Na foto, à esquerda, Teolinda Gersão, claro, ao centro, António Costa que organizou o encontro:

Imaginemos que há uma câmara e vai penetrando no intimo das pessoas e no que estão a pensar. Este livro é um único plano sequência. 175 páginas e um só parágrafo. É como se fosse um filme que nunca tem montagem. A ideia é, por um lado, pegar num determinado tipo de universo e partir daí, fazer uma sátira da sociedade portuguesa, a partir da Universidade.

Chamei-lhe novela, apenas pela extensão.

Há pessoas que seguem a via académica por outros motivos. Porque adoram falar na televisão, ascender à carreira política. A universidade é apenas o trampolim para qualquer coisa. Eu queria escrever e comecei a ir para as reuniões de caderno na mão. Tinha um caderno só para as reuniões e apontava lá tudo o que ia vendo e assistindo. Mas depois quis fazer um romance universitário mas que não se passasse lá. Sobre as nossas idiossincrasias.

Quis criar uma espécie de painéis de São Vicente. Nós olhamos para lá e vemos o “Mourinho”, o “Salazar”. As pessoas reconhecem os rostos. E eu tentei fazer exactamente isso no livro. Reconhecer rostos que, todavia, não identificamos. Pegar na sociedade portuguesa e satirizá-la. Mais do que uma coisa sobre a universidade, é algo sobre aquilo que somos em Portugal.

Comunicação virtual e partilha


Eis um excerto de um texto que me parece particularmente arguto em torno deste utópico.
Foi revelado no Dia Mundial das Comunicações e seu autor é Bento XVI.
Voilà e boas leituras:

Vai-se tornando cada vez mais comum a convicção de que, tal como a revolução industrial produziu uma mudança profunda na sociedade através das novidades inseridas no ciclo de produção e na vida dos trabalhadores, também hoje a profunda transformação operada no campo das comunicações guia o fluxo de grandes mudanças culturais e sociais. As novas tecnologias estão a mudar não só o modo de comunicar, mas a própria comunicação em si mesma, podendo-se afirmar que estamos perante uma ampla transformação cultural. Com este modo de difundir informações e conhecimentos, está a nascer uma nova maneira de aprender e pensar, com oportunidades inéditas de estabelecer relações e de construir comunhão.

Aparecem em perspectiva metas até há pouco tempo impensáveis, que nos deixam maravilhados com as possibilidades oferecidas pelos novos meios e, ao mesmo tempo, impõem de modo cada vez mais premente uma reflexão séria acerca do sentido da comunicação na era digital. Isto é particularmente evidente quando nos confrontamos com as extraordinárias potencialidades da rede internet e a complexidade das suas aplicações. Como qualquer outro fruto do engenho humano, as novas tecnologias da comunicação pedem para ser postas ao serviço do bem integral da pessoa e da humanidade inteira. Usadas sabiamente, podem contribuir para satisfazer o desejo de sentido, verdade e unidade que permanece a aspiração mais profunda do ser humano.

No mundo digital, transmitir informações significa com frequência sempre maior inseri-las numa rede social, onde o conhecimento é partilhado no âmbito de intercâmbios pessoais. A distinção clara entre o produtor e o consumidor da informação aparece relativizada, pretendendo a comunicação ser não só uma troca de dados, mas também e cada vez mais uma partilha. Esta dinâmica contribuiu para uma renovada avaliação da comunicação, considerada primariamente como diálogo, intercâmbio, solidariedade e criação de relações positivas. Por outro lado, isto colide com alguns limites típicos da comunicação digital: a parcialidade da interacção, a tendência a comunicar só algumas partes do próprio mundo interior, o risco de cair numa espécie de construção da auto-imagem que pode favorecer o narcisismo.

Sobretudo os jovens estão a viver esta mudança da comunicação, com todas as ansiedades, as contradições e a criatividade própria de quantos se abrem com entusiasmo e curiosidade às novas experiências da vida. O envolvimento cada vez maior no público areópago digital dos chamados social network, leva a estabelecer novas formas de relação interpessoal, influi sobre a percepção de si próprio e por conseguinte, inevitavelmente, coloca a questão não só da justeza do próprio agir, mas também da autenticidade do próprio ser. A presença nestes espaços virtuais pode ser o sinal de uma busca autêntica de encontro pessoal com o outro, se se estiver atento para evitar os seus perigos, como refugiar-se numa espécie de mundo paralelo ou expor-se excessivamente ao mundo virtual. Na busca de partilha, de «amizades», confrontamo-nos com o desafio de ser autênticos, fiéis a si mesmos, sem ceder à ilusão de construir artificialmente o próprio «perfil» público.

As novas tecnologias permitem que as pessoas se encontrem para além dos confins do espaço e das próprias culturas, inaugurando deste modo todo um novo mundo de potenciais amizades. Esta é uma grande oportunidade, mas exige também uma maior atenção e uma tomada de consciência quanto aos possíveis riscos. Quem é o meu «próximo» neste novo mundo? Existe o perigo de estar menos presente a quantos encontramos na nossa vida diária? Existe o risco de estarmos mais distraídos, porque a nossa atenção é fragmentada e absorvida por um mundo «diferente» daquele onde vivemos? Temos tempo para reflectir criticamente sobre as nossas opções e alimentar relações humanas que sejam verdadeiramente profundas e duradouras? É importante nunca esquecer que o contacto virtual não pode nem deve substituir o contacto humano directo com as pessoas, em todos os níveis da nossa vida.

Também na era digital, cada um vê-se confrontado com a necessidade de ser pessoa autêntica e reflexiva. Aliás, as dinâmicas próprias dos social network mostram que uma pessoa acaba sempre envolvida naquilo que comunica. Quando as pessoas trocam informações, estão já a partilhar-se a si mesmas, a sua visão do mundo, as suas esperanças, os seus ideais. Segue-se daqui que existe um estilo cristão de presença também no mundo digital: traduz-se numa forma de comunicação honesta e aberta, responsável e respeitadora do outro.