sexta-feira, 27 de março de 2015

Luís Guerreiro (1958-2015)

Fomos “unha com carne” naquele tempo em que a Morte, mesmo quando próxima de nós, é ainda algo de distante no tempo; uma coisa destinada, na pior das hipóteses, aos velhotes de cinquenta anos. Foram os anos da vitória da lista que nós designávamos unitária, na Associação de Estudantes em Letras, e partilhámos (literalmente) o quotidiano algures em 1977-1978; dormíamos ora no apartamento que os pais lhe tinham arranjado para a estadia em Lisboa durante o curso, ora em minha casa, onde o Luís tinha um interlocutor constante com o meu pai (e já fazem trinta anos que também ele partiu, ainda na casa dos cinquenta). Entre nós surgiu aquilo que é raro ao longo da vida, pois fomos confidentes mútuos das nossas paixões, medos, idiossincrasias. Vivemos, afinal, as loucuras da juventude como elas devem ser vividas; mesmo sendo o Luís sempre tão sensato. Não sei se por acaso, e através daquelas associações de ideias que o tio Segismundo nos ensinou a desvendar a nossa intimidade não revelada, lembrara-me ontem de um episódio que ele me contara ao regressar da antiga União Soviética. Fora a da despedida de uma paixão (mais uma das idiossincrasias comuns!), já não me recordo se russa- perdão, soviética, que ele então tivera. Dizia o Luís que tinha ocorrido numa gare e que, segundo ele, era digna de um filme com o Bogart; resumia-se nisto: ele corria gare fora enquanto o comboio acelerava e as mãos de ambos se afastavam. Depois do curso só voltei a vê-lo há uns cinco, seis anos num “restaurante mexicano” (que já não existe) no Colombo. Hoje a notícia chegou, brutal e inesperada, no Facebook. E eu estou naturalmente muito, muito triste. É também uma parte da minha juventude, das minhas memórias, que morre, que parte com ele. E aquilo que vos deixo são algumas imagens de como o recordo, naquele tempo em que, no meio de tantos problemas, a Morte, afinal, ainda não o era. Estou certo de que Deus o acolhe agora junto de Si.

terça-feira, 24 de março de 2015

Afinidades

Filho único e amiúde seduzido pelas margens da solidão, desde cedo me tocaram estas palavras iniciais de Nick Carraway, o narrador de The Great Gatsby:In my younger and more vulnerable years my father gave me some advice that I’ve been turning over in my mind ever since. ‘Whenever you feel like criticizing any one,’ he told me, ‘just remember that all the people in this world haven’t had the advantages that you’ve had.’ He didn’t say any more but we’ve always been unusually communicative in a reserved way, and I understood that he meant a great deal more than that. In consequence I’m inclined to reserve all judgments, a habit that has opened up many curious natures to me and also made me the victim of not a few veteran bores. The abnormal mind is quick to detect and attach itself to this quality when it appears in a normal person, and so it came about that in college I was unjustly accused of being a politician, because I was privy to the secret griefs of wild, unknown men. Most of the confidences were unsought — frequently I have feigned sleep, preoccupation, or a hostile levity when I realized by some unmistakable sign that an intimate revelation was quivering on the horizon — for the intimate revelations of young men or at least the terms in which they express them are usually plagiaristic and marred by obvious suppressions. Reserving judgments is a matter of infinite hope.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Renewing the Church in a Secular Age

foi o tópico da conferência que teve lugar em Roma no início deste mês e na qual participei. Deixo-vos duas imagens do evento, uma das quais, perdoai o narcisismo, certificando a minha presença. Para que tenham uma ideia do que foi abordado, transcrevo parte do relatório descritivo final. The two-day International conference entitled "Renewing the Church in a Secular Age: Holistic Dialogue and Kenotic Vision" was held at the Pontifical Gregorian University, Rome, Italy, on March 4-5, 2015, and generated new interest and enthusiasm among the over 300 participants. This was a joint effort of The Council for Research in Values and Philosophy (RVP) and The Pontifical Gregorian University (PUG), with the High Patronage of the Pontifical Council for Culture of the Holy See under Cardinal Gianfranco RAVASI. This joint International Conference was the result of an effort which began with the identification by Professors Charles TAYLOR, author of A Secular Age, and José Casanova of four disjunctions between Church and People these related to: (a) seekers who have left ecclesial practice in search of the Spirit, and (b) the magisterium charged with pastoral responsibilities; and (c) its contemporary moral guidance, (d) in a world of plural spiritualities. Presently the project has advanced to articulate four emerging conjunctions of the Church as (a) not only listening to the experience of the laity (b) but discerning the path ahead, and hence (c) welcoming the seekers and (d) serving their broad religious needs in a context deeply marked by pluralism and diversity. Scholars around the world, but particularly in the West, were invited to join the effort of Church renewal which this conference represents, based on the work of more than a dozen research teams in different parts of Europe and North America. The conference was intended to engage the intellectual mind and so better contribute to the universal Church as it faces the many present challenges. As such, the conference was intended also to function as a launching pad for similar initiatives to follow on the impact of secularization across Asia, Africa and Latin America and so contribute to the worldwide renewal of the Church as a communion of Dialogue in search of Truth, Beauty and the Good as the emergence of God’s Kingdom in human history. 2 As a cumulative effort by these research teams mainly from Universities in North America and across Europe, the conference drew on those who have been reflecting on the challenges and opportunities of secularity faced by the various cultural traditions in the West under the project “Faith in a Secular Age”. This project, initiated and carried out by the RVP, began in 2009 with a dialogue between Cardinal Francis GEORGE from Chicago and Charles TAYLOR, and moderated by José CASANOVA. Since then, the representatives of the research teams met annually either in Washington or in Vienna, Austria (see the reports of those annual meetings www.crvp.org). These research teams planned with their members personal research, reflection, and writing. This gave founded hope that light would be shed on the crucial issues of our secular age. The teams consisted of leading religious scholars, philosophers, sociologists, etc. Rather than beginning with the long and rich history of the project on "Faith in a Secular Age" with its multiple facets, times of promise, crisis and renewal, it seems more effective to begin from the recent period of Pope Francis. He seems to be putting things right by simple gestures in accord with both the life of the people and the gospel message. But rather than resting with these, it is our task to ask what is missing where a project of scholars might be of help. Upon reflection one notes that Pope Frances is not going deeply into the secular culture in which all are raised. This is inescapable in daily life, and provides the terms of which present events are interpreted and the future is projected. Hence, the goal of this project has been to support Pope Francis in this regard with professional insight drawn by such various competencies as can be provided by the humanities and the social sciences, by philosophy and theology under the light of faith. What then is the secularity of which we speak? Charles TAYLOR in his now classical work A Secular Age, spoke of three senses of the term in order to focus on the third: (a) separation of Church and state, (b) decline in Church practice, and (c) the cultural conditions which today often make unbelief seem more easy, more natural and more viable than belief. This has been exacerbated by sexual and financial scandals. Though these can be seen as tragic chances of timing, in fact they may be rather the inevitable results of structures which overstayed their age till finally they became unsustainable and all seemed to be collapsing. In view of all this what then are the goals and objectives of this project; namely, what kind of vision is needed in order to contribute to the life of faith in the new cultural conditions which have come to constitute this secular age? Two stand out, namely, an wholistic vision achieved through dialogue and a kenotic vision in the image of Christ and indeed of the entire Trinity.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Lembram-se dos Creedence Clearwater Revival?

Pois o (anti)herói dos Pentâmetros Jâmbicos também. Como mostraram interesse pelo modo como ele viveu, de uma forma intensamente revolucionária, o 11 de Março, vejam agora como o John Fogerty entrou na vida dele. Eis o CAPÍTULO 6, intitulado, "O umbigo, a pera e a perinha", onde se anunciam os seguintes tópicos: mais um jogo de rugby - o convite do notável - apertões, safanões e hérnias - a clínica - a bela enfermeira - o contributo do Fogerty - as desventuras de um jovem sedutor – a traição do parceiro - a pera e a perinha. Vamos, então, às memórias do Carlos: "Quando o Carlos estava no balneário a dar os derradeiros nós nas botas, o treinador voltou-se para ele, comunicando-lhe que iria substituir o pilar esquerdo que não aparecera. O Carlos não era aquilo que se poderia chamar um trambolho; no entanto, também era evidente que não se aplicava a cem por cento, nem nos treinos nem nos jogos. Certo dia aplicou-se e fez um bom jogo. No final, para espanto seu, o treinador do Cdul que estivera a assistir, aproximou-se dele à entrada dos balneários e perguntou-lhe: -«O jovem não quer vir jogar para o Cdul?» e o Carlos anotou orgulhoso esta pergunta no seu Diário. Ora aí estava um dia a não esquecer. No entanto, com o seu tradicional jeito para deixar passar ao lado as grandes oportunidades, agradeceu mas declinou, pois sentia-se muito bem naquela equipa. E assim registou para a sua biografia mais um momento em que deixara “o Carlos espontâneo” dar resposta, tendo assim tomado uma decisão da qual se lamentaria até ao fim dos seus dias. Talvez tivesse então pensado que “o Carlos pachorrento,” habituado a deixar correr as coisas para, com o mínimo esforço possível, obter o resultado, nos limites da decência, satisfatório, estaria destinado a prevalecer. Por isso, o Carlos aplicava-se quanto baste. E por isso mesmo era um daqueles jogadores que facilmente podiam ser prescindíveis nas suas posições habituais, para serem utilizados em situações de recurso para apagar eventuais fogos. A ideia não lhe agradou particularmente, pois nunca treinara naquela posição, e tinha apenas uma vaga ideia daquilo que lhe era solicitado em momentos cruciais. Mas, acima de tudo, sentia que o seu físico ficava bastante aquém do desejável. E não se enganou, tantas foram as cabeçadas no nariz por se atrasar a encaixar nas mêlées , pois não conseguia aguentar o ímpeto do pilar opositor, e tantas foram as vezes que ficou entalado pelos segundas-linhas que o erguiam todo curvado no ar. Além disso, os calções não eram suficientemente fortes para aguentar os puxões do segunda-linha, tendo este chegado a apertar um sector inesperado, deixando-o imóvel, a uivar, no meio do campo, enquanto o jogo prosseguia noutro local. No final do jogo, tal como ele, também os calções estavam feitos em farrapos. Para além de umas nódoas negras, umas dores no pescoço, nos rins, e, obviamente, no nariz, restara um derradeiro resquício, uma hérnia no umbigo. Por causa dela iria parar, alguns meses mais tarde, a uma sala de operações numa clínica na Reboleira. Mas, graças a Deus e à intervenção paterna, fora depositado nas mãos competentes de um cirurgião, para cúmulo da sorte, pai de dois dos seus melhores amigos: a Teresa que sabiamente o retirara de um limbo intelectual, e o iniciara nas nuances do francês quando com elas esbarrara no primeiro ano do liceu; e o Toni, o tal que lhe proporcionara a sua primeira lição de ciência política e que teria uma actuação decisiva neste mesmo evento. -«Pai, tem de lhe fazer uma cirurgia plástica. Então um rapaz tão novo vai ficar todo liso sem umbigo?» E graças ao Toni, o Carlos viria a ser esteticamente recuperado e normalizado, sem custos acrescidos da operação. Para além do umbigo, o que, naquela estada na clínica, mais impressionou os seus dezassete anos acabadinhos de fazer foi... as enfermeiras. Estas mais pareciam saídas de um filme, tão belas e sensuais eram, ou assim ele as via. Havia particularmente uma, a que viera dispor alguns medicamentos junto à cama, inclinando-se e proporcionando-lhe uma sublime e inesquecível visão. Imagine-a, apenas, leitor, pois eu, pelas razões de decoro óbvias que têm vindo a dar o tom destas narrações, não a reproduzirei. Que em breve o viria preparar, dissera. O que significaria “preparar”? E o Carlos não pôde deixar de imaginar a jovem enfermeira a entrar no quarto para o preparar. E logo, no mais recôndito cantinho da sua mente, começou a insinuar-se o som da voz rouca do mano Fogerty, dos Creedence Clearwater Revival, num lento e ritualisticamente ritmado, Long as I can see the light. Impõe-se uma breve cesura para esclarecer a leitora mais jovem e menos versada em arqueologia histórica. Quem era, afinal, esta banda (conjunto, como então se dizia), já evocada no episódio do filho do bufo? Recorra-se ao nosso Arquivo: «Durou pouco mais de dois anos a era dos Creedence. Mas será difícil encontrar paralelo a esse brilhante apogeu. Entre ’69 e ’70, os Creedence Clearwater Revival publicaram quatro álbuns..., editaram sete singles destinados ao maior sucesso; e foram considerados o grupo mais popular dos Estados Unidos, sem que isso atraísse a antipatia da crítica. Para trás tinham ficado quase dez anos de trabalho em conjunto, desde que os irmãos Fogerty, Tom (nascido em ’41) e John (nascido em ’45), começaram a tocar no liceu, em ’59, com dois miúdos da idade de John, Stu Cook e Doug Clifford. Os irmãos repartiam as vozes e as guitarras. O grupo mudou várias vezes de nome até adoptar a designação definitiva. Gravou algumas vezes, tocou muitas e acabou por construir com segurança um som inconfundível, misto bem equilibrado de Rockabilly, Rhythm’n’Blues e tonalidades crioulas do Sul dos Estados Unidos. A saída de Tom Fogerty em Fevereiro de ’71 foi o princípio do fim. ‘Pendulum’, o álbum desse ano, não conseguiu desmentir e ‘Mardi Gras’, em ’72, acabou por confirmar. Foi breve a glória dos Creedence! E, no entanto, brilhou bem alto a sua estrela. Há pouco mais de vinte e cinco anos, os Creedence eram uma presença obrigatória nas festas de sábado. Os ‘slows’ podiam ter muitos intérpretes, podiam correr bem ou mal, podia faltar o par dos nossos sonhos... Só os Creedence, na hora dos ‘shakes’ nos não abandonaram.» Perceber-se-á, assim, por que razão, naquele instante, os devaneios do Carlos tinham necessariamente de convocar os Creedence para a banda sonora da sua fantasia com aquela bela enfermeira. Imaginava-se ele rodeado dos amigos, amigas, não, pois isso seria motivo de conversa d’homens, explicando detalhadamente todos os instantes do ritual de sedução e encontro íntimo quando ele havia sido preparado. Os colegas, fechados num círculo religiosamente cerrado à sua volta, ouvi-lo-iam atentos, respeitosos, e, como é óbvio, salivantes. Continuando. O mano Fogerty cantava “Put a candle in the window,” o primeiro verso (linha, como diziam nas traduções televisivas ou estudantes menos iluminados face aos falsos amigos) de Long as I can see the light, e a jovem enfermeira assegurava o suspense e a privacidade, rodando o trinco num gesto rápido e eficiente, enquanto lhe destinava um malicioso olhar; o quarto ficara entretanto banhado numa ocre e sensual penumbra. Prosseguia o Fogerty: “ ’cause I feel I’ve got to move.” E ela dirigia-se, lânguida, até junto da janela, passando por uma zona de sombra, ao mesmo tempo que, lenta e metodicamente, desabotoava a camisa, sem nunca, nunca, mesmo nunca, dele tirar os seus maliciosos, convidativos e sedutores olhos; “long as I can see the light,” concluía o Fogerty. “Pack my bag and let’s get movin’,” e ela cerrava as persianas. Mais penumbra ainda! Com a camisa descaindo já pelo ombro esquerdo, e expondo um soutien lilás, curvava-se sobre dele. Um claro-escuro acentuava-lhe o sorriso à Marilyn Monroe, o Fogerty abanava a cabeça, ejaculando “I won’t be losing my way,” enquanto ela lhe sussurrava ao ouvido: -«Adoro essa pera e bigode,» suspiro intenso, quase a arfar. «Trans …» Corria o mês de Junho de 1973, e, com a aproximação da entrada para a universidade, o Carlos decidira deixar crescer esses artefactos. Segundo imaginara, eles ocultariam as suas feições de menino queque, permitindo-lhe uma mais fácil inserção naquele mundo de adultos que, após as férias-grandes, medonhamente se avizinhava. -«Vem até mim,» retorquia o Carlos com uma voz forte e segura. Na música de fundo, o Fogerty não parava de gritar enfaticamente “Yeah! Yeah! Oh Yeah!”, assim dando a deixa ao Carlos, o qual, de imediato, declarou: - «Esta é uma tarde que não vais esquec…» Os seus devaneios foram subitamente interrompidos pela reentrada em cena da enfermeira. A enfermeira imaginada dissolveu-se. A voz do Fogerty silenciou-se. O quarto saiu repentinamente da penumbra e iluminou-se quando, sorrindo, e numa passada rápida e eficiente, uma outra enfermeira, menos bela e bem mais real, se aproximou da cama, ostentando uma bacia de alumínio, um pincel e uma gilette. O Carlos pousou a biografia do Picasso que estava a ler, virou a cabeça para o lado esquerdo, e, através da janela, vislumbrou o estádio do Estrela da Amadora onde alguns colegas disputavam um torneio de rugby inter-liceus. Que saudades! Estes torneios já ficaram definitivamente para trás! Acabou! Nunca mais entro num, constatou. A enfermeira interrompeu-lhe o excurso melancólico com uma ordem para desabotoar o casaco e as calças de pijama, e para as puxar um pouco mais para baixo. Em breve começou a sentir um frio incomodativo no abdómen. O pincel já o ensaboava e a gilette seguia um assustador e perigoso percurso descendente, descrevendo movimentos regulares e fatídicos. Em vez da esperada e inevitável erecção, o parceiro lá do fundo traía-o, encolhendo-se ainda mais, e remetendo-se para um tímido, discreto e cobarde anonimato. Se algumas ténues intenções houve de insinuar ou expor a sua presença, elas de imediato se desvaneceram quando a enfermeira pegou na melancólica e minúscula cabecinha, afastando-a, eficientemente, para rapar as zonas circundantes. Por seu turno, o Carlos não conseguiu deixar de erguer a cabeça para observar o decurso dos eventos. A enfermeira sorriu e exclamou: -«Não se preocupe que eu deixo-lhe uma perinha...»"

quinta-feira, 12 de março de 2015

Por certo, já algumas vezes vos apeteceu dar um piparote

no boné de um/a jovem ou no chapéu de um basbaque de meia-idade que se recusam a descobrir os cucurutos quando entram num restaurante, numa sala de aula, ou... enfim, whatever! Ficai, então, sabendo que tendes um legítimo antecessor no Ishmael de Moby-Dick! Ora vede o início do primeiro capítulo da obra-prima de Herman Melville: "Call me Ishmael. Some years ago- never mind how long precisely- having little or no money in my purse, and nothing particular to interest me on shore, I thought I would sail about a little and see the watery part of the world. It is a way I have of driving off the spleen and regulating the circulation. Whenever I find myself growing grim about the mouth; whenever it is a damp, drizzly November in my soul; whenever I find myself involuntarily pausing before coffin warehouses, and bringing up the rear of every funeral I meet; and especially whenever my hypos get such an upper hand of me, that it requires a strong moral principle to prevent me from deliberately stepping into the street, and methodically knocking people's hats off- then, I account it high time to get to sea as soon as I can. This is my substitute for pistol and ball. With a philosophical flourish Cato throws himself upon his sword; I quietly take to the ship. There is nothing surprising in this. If they but knew it, almost all men in their degree, some time or other, cherish very nearly the same feelings towards the ocean with me." (itálico meu)

Relato histórico "fidedigno"...

Como o protagonista de Pentâmetros Jâmbicos viveu o 11 de Março:
CAPÍTULO 16 Da banheira à Gulbenkian os estudantes ao serviço do povo - aventuras na banheira - recuperando escolas - o apelo e o leite-creme - olhos negros e les jardins de la Fondation Aproveitando as férias entre o primeiro e o segundo semestres, o círculo de amigos do Carlos dispersou rumo ao Norte. O povo estava com o MFA, e alguns jovens universitários e pré-universitários, de, metonimicamente falando, Paulo Freire em punho, preparavam-se para assentar arraiais nas aldeias deste país, para assim fazer despertar para as alegrias da cultura um povo imerso na ignorância de séculos. A ideia conhecera a designação de Serviço Cívico. Na sua essência era uma mistura de duas vertentes fundamentais. No plano ideológico, inspirava-se nas tácticas da revolução cultural chinesa e da cubana, segundo as quais constituiria momento – como hoje, à data da leitura destas páginas, se diz - incontornável na construção das virtudes dos jovens burgueses, o seu contacto com a realidade, ou seja, com a tristeza e as misérias do campo... e dos camponeses. No plano prático, correspondia ao habitual desenrascanço lusitano, graças ao qual se atrasaria a entrada de milhares de jovens numa universidade incapaz de dar resposta à nova realidade da massificação. Assim se fundiam maoismo, guevarismo e “desenrascanço,” numa via original para o socialismo ibérico. Escusado será dizer que esta ideia não agradara muito ao Carlos. E a razão fundamental era, de facto, veja se isto lhe passa pela cabeça, estimada leitora... , a razão fundamental que o afastava daquela edificante e formadora experiência revolucionária, era... a banheira. Desde a mais tenra idade que um dos seus maiores prazeres era passar horas de molho. Mais do que higiene, este era, aliás, um autêntico ritual aperfeiçoado ao longo dos anos. (Um ritual de óbvias incidências burguesas, por isso mesmo por ele agora mantido no mais absoluto sigilo.) Em criança, emergia acompanhado por índios e cow-boys, veleiros e barcos piratas. Do Mississippi, às cataratas do Niagara (para simular estas últimas havia o chuveiro), dos mares das caraibas, a náufragos em ilhas perdidas (afinal para que é que serviam as esponjas, cara leitora?), ali ficava a dissolver, até as aventuras acabarem, ou até ser retirado à força pela mãe. A partir de uma determinada altura, os banhos de imersão tinham deixado de ter tanta graça. As aventuras já se lhe afiguravam algo assim pró estranho, algo que, por um lado gostava de fazer, mas que, por outro, lhe parecia mais coisas de putos. Simultaneamente, começara a sentir certas alterações, em certas partes do corpo, quando se lembrava de certas colegas do liceu. Mas, depois, os banhos de imersão começaram a voltar a ser interessantes, pois aprendera a libertar-se dessas “alterações” - com prazer, até, imagine-se. Hoje em dia, os banhos envolviam uma encenação, da qual participava a aparelhagem estereofónica, cujas colunas eram colocadas à porta da casa de banho; uma prancha sobre a banheira, que lhe permitia escrever enquanto estava na sabonária; cigarros e cinzeiro, depositados numa pequena mesa ali mesmo ao lado; um livro e algumas revistas de BD, caso quisessse mudar de leitura; um sumo de laranja; bolachas; e, obviamente, espuma, muita, muita espuma, com água quente periodicamente renovada. Este ritual realizava-se uma vez por semana, sempre no mesmo dia, e à mesma hora, estando os outros destinados a um frugal duche. O tempo aí passado, jamais inferior a uma hora e meia, poderia, contudo, estender-se ao longo de várias horas. O seu record, que não chegara, infelizmente, a ser medido pelo relógio, consistira na leitura, integral, e de uma assentada, da Religiosa, de Diderot. Afinal, estava em boa companhia, pois não fora o genial Goethe, lui-même, que confessara ter lido entre as 6h e as 11 e meia, Jacques le fataliste, deste mesmo Diderot, e ter-se deleitado como o Baal da Babilónia perante um festim tão enorme, e ter agradecido a Deus o facto de ter sido capaz de engolir uma tal porção de uma só vez? Também o Carlos agradecera a Deus a imersão contínua nas páginas de Diderot. Prossigamos, porém... Era fundamentalmente por causa do seu ritual que o Carlos não se conseguia imaginar numa aldeia perdida em Trás-os-Montes, envolto naqueles odores rurais, ensinando velhotes, rodeado de velhotes, a passar dias a fio com velhotes, com velhotes ao serão e ao pequeno-almoço, lavando-se à gato numa selha, e sem as burguesas e queques loirinhas que tanta falta lhe faziam. Envolveu-se assim num projecto alternativo capaz de conciliar a sua consciência social e a comodidade do lar paterno. Juntamente com alguns compagnons de route da universidade, com o apoio material dos compagnons de route de uma Câmara Municipal, e com a disponibilidade dos compagnons de route de uma escola primária, participou num projecto de recuperação dessa mesma escola. O projecto envolvia o tratamento do pavimento do recreio, a pintura dos bancos e também das paredes exteriores. Assim, durante o dia, ficava em paz com a sua consciência social e revolucionária, enquanto que, ao entardecer, podia regressar ao aconchego da vivenda, onde, no seio da família, lhe seria permitido produzir discursos inflamados sobre quão exaltante era a construção do homem novo, da sociedade nova, da cultura nova, und so weiter. Reconheça-se que podia, mas não fazia; limitava-se a imaginá-los, pois era demasiado reservado para o fazer. Os compagnons de route, meninos-família tal como ele, calçavam luvas (eles) para não fazer bolhas com os carrinhos de mão, ou pediam emprestados (elas) às empregadas lenços ou outros artefactos que lhes proporcionassem um visual proletário, chique e funcional. O desajustamento face aos seus modos de vida convencionais podia assumir contornos particularmente cómicos, como quando, um dia, um compagnon mais afoito e talvez menos convencional devido à sua origem pequeno-burguesa (que não de fachada socialista, refira-se), pediu a outro: -«Traz-me aí um bocado dessa jana,» e apontou para a brita. O compagnon, desconhecedor das nuances vernaculares da língua-mãe, e habituado apenas a utilizar as suas mãos delicadas no piano de cauda familiar, retorquiu: -«Que engraçado, não sabia que estas pedrinhas pequeninas se chamavam jana,» e lá partiu, exaltante, com o carrinho de mão disposto a ir buscar a jana necessária à realização da nobre missão nesse amanhecer de um novo dia. Estavam, certo dia, ao almoço a discutir as pertinentes diferenças quanto à edificação do socialismo nas suas vertentes cubanas, albanesas, soviéticas e chinesas, e sua eventual aplicabilidade nas presentes circunstâncias do processo revolucionário em curso na realidade portuguesa, quando a notícia chegou de rompante: -«Há uma tentativa de golpe de estado! O Otelo falou ainda agora na rádio a dizer que metia os fascistas no Campo Peq…,» exclamou um compagnon que entrou de rompante no restaurante de bairro que os compagnons da Câmara haviam providenciado aos compagnons estudantes para o almoço gratuito. O Carlos apressou-se a acabar o leite-creme, bebeu a bica o mais rapidamente possível, e lá dispersou, com os outros compagnons, cada um rumo ao local onde se lhes afigurava mais urgente a sua presença, sempre, sempre, rumo à vitória final. Tal como era habitual, o Carlos preferiu ir sozinho. Apanhou um comboio para Lisboa e, ao chegar aos Restauradores, considerou dar um pulo até ao Ralis, mas isso estava defintivamente fora de questão, visto ser demasiado longe. Afinal, haveria certamente uma forma menos cansativa de combater a contra-revolução. Porque não o quartel da Região Militar de Lisboa? Há o metro de São Sebastião lá ao pé, bem pensado. Outras hipóteses igualmente quentes... Estava entretido a considerar as alternativas, quando uma jovem lhe perguntou em francês: -«Pardon, c’est un coup d’état?» O Carlos despertou, e deparou com uma jovem dos seus dezoito anos, alta, com uns longos cabelos pretos e uns enormes olhos negros; uns olhos de neles mergulhar e esquecer tudo o mais. Uma boca pequena vermelha; lembrou-se do libreto de Bob Wilson para uma ópera do Phil Glass, que tinha acabado de sair em disco, “If you have never kissed a girl from Paris, you have never kissed a girl at all.” Belos braços, belas mãos... Ah, Senhor meu, que belas mãos!... O que aquelas mãos!.... e retorquiu no seu mais fluente francês: -«Un coup d’état? Mais non. Pas du tout. C’est une petite agitation sans importance. Tu connais les jardins de la Fondation Gulbenkian?»

Como um pequeno, mas determinado, grupo

de pessoas contibuiria, determinantemente, para o perfil cultural de uma nação a haver. Refiro-me aos chamados Pilgrim Fathers, o grupo de dissidentes da Church of England que, vindos no Mayflower, desembarcaram no Novo Mundo. Eis um excerto do diário de William Bradford, provavelmente, o mais célebre desse grupo que se auto-intitulava de "peregrinos". Reparem na analogia que ele estabelece entre a sua experiência e o Antigo Tetsamento: "What could now sustain them but the Spirit of God and His grace? May not and ought not the children of these fathers rightly say: "Our fathers were Englishmen which came over this great ocean, and were ready to perish in this wilderness; but they cried unto the Lord, and He heard their voice and looked on their adversity," etc. "Let them therefore praise the Lord, because He is good: and his mercies endure forever. Yea, let them which have been redeemed of the Lord, show how He hath delivered them from the hand of the oppressor. When they wandered in the desert wilderness out of the way,and found no city to dwell in, both hungry and thirsty, their soul was overwhelmed in them." "Let them confess before the Lord His lovingkindness and His wonderful works before the sons of men."

quarta-feira, 11 de março de 2015

Quando, sob pressão, o jovem Indiana Jones

se preparava para reagir e ensaiar uma resposta face ao que o afligia, o pai contrapôs-lhe: "Conta até dez... em grego." Para quem não conhece grego, avanço com as sugestões de Inácio de Loyola para superar os "momentos mais negros". Transcrevo-as, tal como as colhi, em inglês, na página de outro jesuíta, Michael Paul Gallagher: 1. Don't change your direction in the dark: no major decisions without real peace! 2. Push against your negative attitudes: nourish your humanity gently towards the return of the light. 3. Trust that the empty times will not last: dawn will come, perhaps with a bit of help.

terça-feira, 3 de março de 2015

Regresso a Sáez Delgado, desta

feita para lembrar a importância da sua obra ensaística para a compreensão do diálogo poético que, efectivamente, existiu nas primeiras décadas do século passado entre Portugal e (as) Espanha(s). Através de Sáez Delgado soube, por exemplo, do impressionante impacto que um poeta pouco evocado hoje em dia, Eugénio de Castro, teve em Espanha. O ensaísta que, com muita justiça, recebeu o prémio Eduardo Lourenço e que lecciona na Universidade de Évora, dedica a este tópico dois livros cujas capas reproduzo e que recomendo vivamente a todos aqueles que sentem um carinho especial pelo Modernismo; refiro-me a Espíritus Contemporáneos e Nuevos Espíritus Contemporáneos. Leiam-nos e vereis que não só tomareis contacto com uma complexa rede de encontros e desencontros entre poetas dos dois lados da fronteira, como sereis confrontados com constantes descobertas factuais. Pelo menos, foi o que sucedeu comigo... e, por isso mesmo, acho que devo partilhar convosco. Sabiam , por exemplo, que: "Teixeira de Pascoaes fue, junto con el simbolista Eugénio de Castro, el poeta portugués más presente en las revistas vinculadas al Modernismo hispánico y en las tipografias españolas del momento"?