segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

A propósito de Henry James

William James, famoso psicólogo e conhecido filósofo, não se cansava de sublinhar nas suas cartas ao irmão Henry um certo desapontamento pela dedicação absoluta deste último a um fazer artístico que lhe totalizava uma vida privada de afetos ou acontecimentos relevantes, à exceção de um contínuo vaguear pela Europa. Todavia, longe de constituir um entretenimento distraído e supérfluo, a literatura para Henry James representava um meio para dar voz ao que Aristóteles chamava «as questões últimas» ou que Flannery O'Connor definia «o mistério da nossa posição na Terra». Nascido em Nova Iorque a 15 de abril de 1843. de uma rica família de industriais de origem irlandesa, Henry James recebe uma educação liberal e de vanguarda do seu pai, Henry sénior, intelectual arguto, influenciado pelas teorias de Swedenborg, filósofo e místico sueco do século XVIII. Os estudos dos dois irmãos, William e Henry, foram irregulares por causa das contínuas deslocações de escola e cidade, entre EUA e Europa (Genebra, Londres, Paris e Bona), que caracterizaram depois a vida adulta de Henry e se tornaram, pelo encontro entre culturas desencadeado, o tema chave de grande parte dos seus romances.
Pelos vinte anos, depois de ter abandonado a faculdade de direito em Harvard, Henry James iniciou a sua carreira literária com a publicação de diversas recensões críticas e dos primeiros contos: durante a sua longa vida escreverá vinte e dois romances e cento e doze contos, além de algumas obras teatrais (de escasso sucesso) e um grande número de ensaios e artigos, atestando-se como um dos autores mais prolíficos da história da literatura. A sua narrativa foi profundamente influenciada por Nathaniel Hawthorne, Charles Dickens, Honoré de Balzac e Ivan Turgenev. A aguda observação e o estudo das moções da alma humana, que constituem o núcleo das suas obras, fazem referência a um forte sentido moral oculto num requinte estético, pertencente a um escritor amante da arte, conhecedor de numerosas línguas, ávido leitor, bem como autor de uma produção colossal que o consagra ainda hoje, cem anos após a morte (ocorrida em Londres a 18 de fevereiro de 1916) como figura chave na história do romance moderno. Não deve induzir em engano o tom barroco ou eduardiano a que pertencem páginas formadas de frases perfeitas, articuladas, longuíssimas. Frases "sem pressa" e sem fim, "endless sentence" como o definiu Pound no sétimo dos seus "Cantos", talvez devido também ao facto de, nos últimos anos da sua vida, Henry James ter ditado os seus trabalhos a uma estenógrafa. A prosa do escritor norte-americano é caracterizada por longas digressões, ricas de adjetivos e subordinadas, que parece simplesmente registar na página um discurso denso de impressões, conjeturas, especulações, mas que na realidade se revela capaz de imergir nas profundidades do eu, desvelando os conflitos mais íntimos e as tensões mais radicais. "O aperto do parafuso" é uma entre as primeiras obras-primas de James: uma novela gótica que evidencia - como "O inquilino fantasma", "O altar dos mortos", "Os amigos dos amigos" e muitas outras histórias - a sua paixão pelo sobrenatural, entendido como extensão do mundo real: esses fantasmas que, como dizia Virgina Woolf, «têm a sua origem dentro de nós» e indicam como Henry James, «velho senhor requintado, mundano e sentimental, consegue ainda fazer-nos ter medo do escuro». James interessava-se em articular, por vezes até ao paradoxo, o conflito moral e as escolhas do indivíduo, que emergem da contrapor uma realidade ímpar e uma sociedade subjugadora. O que está em jogo é a procura de si, mesmo que com o preço de uma escolha final que prenuncia a derrota. Como acontece em "Retrato de uma senhora", um dos seus livros mais conhecidos, em que a protagonista, Isabel Archer, jovem e bela americana, desposa um homem que depois se dá conta de não amar, um homem egoísta apenas interessado no seu dinheiro. Mas Isabel, não obstante a possibilidade de se separar e criar uma nova vida sentimental, opta por fazer prevalecer o sentido de dever e voltar ao marido. Nesta obra o provincialismo e a ingenuidade de Isabel permanecem entretecidos naquela rica e decadente sociedade florentina e romana, onde a jovem é enganada sobre os reais sentimentos do homem que dentro em pouco desposará, confinando-se num destino de solidão e dissolução psíquica. Com este romance delineia-se uma temática recorrente em Henry James, constituída pela perene dialética social e cultural entre os EUA e a Europa, continente pelo qual continuará a ser fascinado, até decidir tomar, em 1915, a cidadania inglesa. A relação Europa-América assume a forma do conflito também em "Daisy Miller", "O americano" e "Os bostonianos", incardinados na contraposição entre um velho continente artisticamente requintado quanto extenuado pela corrupção e pelo prestígio social, e uma América empreendedora, cínica e sem escrúpulos. Elena Buia Rutt In "L'Osservatore Romano", 27.2.2016 Trad./edição: Rui Jorge Martins

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Um apontamento sobre o século XX

As palavras são de Eduardo Lourenço: “Sempre o espetáculo da perda ou da ausência, mesmo momentânea, de uma qualquer espécie de lei – imanente ou transcendente – sem a qual a humanidade instintivamente perdia a sua imagem, constituiu a mais tenebrosa das perspetivas. Aquela que todos os Dantes, conhecidos ou anónimos, descreveram sob a forma de uma topologia infernal. Nós incorporámos o inferno no quotidiano do mais fascinante e atroz dos séculos” (in O Esplendor do Caos, 10-11).

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Bruno Catalano, escultor.

A intensidade da ausência e do fragmento.