quinta-feira, 31 de maio de 2012

No ano lectivo de 1977-78, andava eu pelos corredores e pelas salas da Faculdade de Letras, algo perplexo, sem rumo face ao futuro, insistindo com o meu pai que aquilo não me dizia absolutamente nada e que o melhor era mesmo deixar para trás os sonhos da adolescência, nomeadamente o de ali vir a ser Assistente, quando tive dois professores que me mostraram haver afinal algum sentido. Foram eles Manuel Frias Martins e Urbano Tavares Rodrigues. Deixando para outras alturas o tributo ao Manuel, porque o Urbano foi agora homenageado, deixo aqui uma brevíssima impressão do impacto que ele teve no, então, jovem Mário. Na Faculdade prevaleciam, por um lado, um impressionismo basista, e, por outro, a semi-óptica que, como disse um dia Carlos de Oliveira, nos permitia usar o mesmo esquema para falar de um romance ou da posologia de um qualquer medicamento. Ora, o Urbano ensinou-nos várias coisas, uma das quais que , na literatura , a emoção e a inteligência andam lado a lado com o sentido estético. Através dele percebi que se podia estudar o cânone através das suas margens. Ainda há meses revi Nadja que, pelas suas mãos, conheci. Foi o Urbano que, numa sala do Pavilhão Novo, após eu ter apresentado um trabalho sobre Malraux, me disse: “O Mário tem de ser professor!” Foi ao Urbano que mostrei os primeiros versos (prosaicamente deitados para o caixote do lixo anos depois, pois nestas coisas é melhor desfazermo-nos mesmo delas em vez de as enterrar num sítio qualquer, não vá alguém – ou nós mesmos – um dia… desenterrá-las). Generoso, sempre generoso, o Urbano disse ao meu pai que o rapaz tinha jeito para estas coisas. Quem o conhece pode imaginar as palavras dele! E depois, o amor pela vida! Tantas coisas que guardo para mim.. tantas coisas me deixou o Urbano… as conversas sobre política, as histórias da clandestinidade… sempre sereno, mesmo ele que, por vezes, foi espancado pela pide. Foi com profunda emoção que o vi e ouvi ontem. Confesso que me impressionou vê-lo tão frágil. Mas depois, quando começou a falar, lá estava ele, o meu velho professor tal como dele me lembrava nas salas do Pavilhão Novo. Afinal, ele tinha razão, eu tinha mesmo que ser professor. Obrigado, Urbano!