sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Obsessões


Diálogo com Starbuck, melhor dizer, solilóquio de Ahab num dos mais belos capítulos de Moby-Dick, "The Symphony".
Para ler atentamente e meditar, já que a literatura, a grande, a verdadeira, a única tem essa função pedagógica de nos levar a meditar sobre as nossas acções.
Neste caso, sobre as obsessões, e sobre o perigo de nos deixarmos devorar por elas.
Ou, como diria, George Harrison: "Beware of darkness."

Oh, Starbuck! it is a mild, mild wind, and a mild looking sky. On such a day - very much such a sweetness as this - I struck my first whale - a boy-harpooneer of eighteen! Forty - forty - forty years ago! - ago! Forty years of continual whaling! forty years of privation, and peril, and storm-time! forty years on the pitiless sea! for forty years has Ahab forsaken the peaceful land, for forty years to make war on the horrors of the deep! Aye and yes, Starbuck, out of those forty years I have not spent three ashore. When I think of this life I have led; the desolation of solitude it has been; the masoned, walled-town of a Captain's exclusiveness, which admits but small entrance to any sympathy from the green country without - oh, weariness! heaviness! Guinea-coast slavery of solitary command! - when I think of all this; only half-suspected, not so keenly known to me before - and how for forty years I have fed upon dry salted fare - fit emblem of the dry nourishment of my soul - when the poorest landsman has had fresh fruit to his daily hand, and broken the world's fresh bread to my mouldy crusts - away, whole oceans away, from that young girl-wife I wedded past fifty, and sailed for Cape Horn the next day, leaving but one dent in my marriage pillow - wife? wife? - rather a widow with her husband alive! Aye, I widowed that poor girl when I married her, Starbuck; and then, the madness, the frenzy, the boiling blood and the smoking brow, with which, for a thousand lowerings old Ahab has furiously, foamingly chased his prey - more a demon than a man! - aye, aye! what a forty years' fool - fool - old fool, has old Ahab been! Why this strife of the chase?

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Uma anedota dos tempos da Revolução,


ou seja, do 25 de Abril, rezava que, quando as notícias de que tinha havido uma revolução em Portugal chegaram a Pequim, o Presidente Mao perguntou: "Em Portugal? E quantos são os portugueses?" Resposta: "10 milhões". Mao que, entretanto, se distraíra com outra coisa (certamente não foi com a mulher que era mais tenebrosa que a do Lenine - dizia o meu amigo Mário Jorge Torres que se a mulher do Lenine não fosse frígida, a revolução russa teria tido um rumo diferente, mas isso são outras histórias)... dizia eu que Mao se distraíra, pelo que perguntou: "10 milhões? E em que hotel é que eles estão?"
Lembrei-me desta anedota agora que se diz por aí estarem os chineses interessados em comprar a nossa dívida.
Creio que a pergunta agora será: "Quantos milhões é a dívida? Quantas sacas de arroz é que isso dá?"

As Magias


é o título do livro de Herberto Helder que está neste momento a chegar às livrarias.
O sub-título é poemas mudados para português. Trata-se de uma re-edição do livro inicialmente publicado em 1988.
Para quem não o conheceu então, eis chegada a oportunidade.
Aqui fica um poema:

(Austrália)

Ondas que se levantam, grandes ondas que se levantam
contra as rochas
rebentando, ruá, ruá.
Com a luta alta a alumiar as águas.
Na primavera.
E as águas avançam pela erva,
rebentando, ruá, ruá.
Na praia brava as raparigas banham-se.
Escuta o marulho delas batendo as mãos,
levantando-as!


Já agora, hoje, ao fim do dia, inicia-se o ciclo de cinema israelita.
Bom dia!

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Uma das minhas descobertas musicais mais recentes



foi Patrick Hawes, um compositor inglês mais novo do que eu dois anos. Dizem que a sua música é devedora do barroco e do romantismo; uma estranha confluência, direis vós, e com razão. E, todavia, parece-me justa.
Ainda não conheço Fair Albion, o cd que publicou este ano, mas o anterior, Song of Songs, acompanha-me no metro e no autocarro, para além da rua, claro, no ipod.
Em Song of Songs, Edward Hawes, o irmão do compositor, revisitou com sucesso os versos de Salomão.
Aqui fica a referência!

Versos de Dylan (Bob, not Thomas)


Oh, the gentlemen are talking and the midnight moon is on the [riverside,
They're drinking up and walking and it is time for me to slide.
I live in another world where life and death are memorized,
Where the earth is strung with lovers' pearls and all I see are dark eyes.

A cock is crowing far away and another soldier's deep in prayer,
Some mother's child has gone astray, she can't find him anywhere.
But I can hear another drum beating for the dead that rise,
Whom nature's beast fears as they come and all I see are dark eyes.

They tell me to be discreet for all intended purposes,
They tell me revenge is sweet and from where they stand, I'm sure it [is.
But I feel nothing for their game where beauty goes unrecognized,
All I feel is heat and flame and all I see are dark eyes.

Oh, the French girl, she's in paradise and a drunken man is at the [wheel,
Hunger pays a heavy price to the falling gods of speed and steel.
Oh, time is short and the days are sweet and passion rules the arrow [that flies,
A million faces at my feet but all I see are dark eyes.


Um bom dia e, já agora, hoje, ao fim da tarde, Katherine Vaz estará na FLAD!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sobre a leitura do Apocalipse


[Este quadro é da autoria de Ilda David' e referente ao Eclesiastes]

Na altura mencionei aqui este evento - a leitura do Apocalipse feita por Luís Miguel Cintra na Capela do Rato. Agora deixo-vos um excerto do testemunho do actor que podereis ler na íntegra no site da Pastoral da Cultura (embora com a versão da nossa língua pós-Acordo):

«É um texto que coloca problemas a muita gente. A mim também. E assusta. Para nós, é quase impossível conceber o julgamento final e aquela visão terrível que nos é apresentada no Apocalipse.

Fazer a leitura de um texto em público, seja ou não religioso, é uma forma de me obrigar a confrontar com ele. Há uma parte de identificação do leitor com o texto que, para mim, é indispensável e me obriga a tomar uma posição, a fazer uma interpretação séria. Por ser um livro tão difícil de aceitar, mais me estimulou a confrontar-me com ele e a fazer esse confronto em conjunto com outras pessoas.

Ao mesmo tempo que me impressiona, é um texto que me fascina pela capacidade visionária que tem e... como hei-de dizer?... pela grandiosidade e generosidade da imaginação que está por trás dele. Conceber o bem, o mal, a própria figura de Deus e a representação dos que fizeram o bem é uma forma humana de exprimir uma enorme paixão por verdades muito mais profundas. É admirável a maneira como S. João [autor a quem é atribuído o livro] encontrou imagens que o ser humano pode entender para representar uma ideia abstrata. Aliás, a Bíblia está cheia disso, o que é maravilhoso.

A religião é feita com imagens humanas. A ideia de Deus é abstracta. Não podemos conceber Deus a não ser com aquilo que conhecemos, que é a vida. A ideia que existe no cristianismo de um Deus que se torna carne faz parte dessa percepção. Para que os homens entendam a ideia de Deus, foi preciso que Deus se tornasse num homem. É isso que torna o cristianismo extraordinário. A religião é uma coisa dos homens mas transcende-os.

Como é que o ser humano há-de pensar o que se passa com Deus? Não o pode fazer a não ser recorrendo a essas imagens. Para mim é comoventíssimo, do ponto de vista da análise da escrita, a forma como S. João concebeu toda aquela estrutura simbólica, aquele grande, enormíssimo, gigantesco painel com milhões de figuras para representar coisas que são ideias. Por isso gostei muito de o ler.

O texto tem uma leitura difícil porque é muito concreto naquilo que vai dizendo. Não há grandes artifícios de estilo. É imagem, outra imagem, ainda outra imagem, numa espécie de acumulação, não permitindo variações que tornem a leitura mais espectacular. Fiquei muito contente porque senti que na leitura que fiz na Capela do Rato as pessoas eram sensíveis a isso; não estavam a pedir que a leitura se tornasse mais espectacular do que o espectáculo imaginário que é escrito pelo próprio S. João.»

domingo, 24 de outubro de 2010

Deus e Saramago


Já citei neste espaço o teólogo Anselmo Borges. Faço-o hoje, de novo, a propósito do tópico Saramago e Deus. Podereis ler na íntegra este texto no Diário de Notícias online. Eis a parte final:

Há dois modos de negação de Deus: a negação real e a negação determinada.
Por negação determinada, entende-se a negação de um determinado Deus, de uma certa imagem de Deus. Foi o que Saramago fez. Como podia ele ou alguém intelectualmente honesto aceitar um deus cruel e sanguinário?
No Caim, é essa imagem do deus violento e arbitrário que denuncia. Não é de facto a Bíblia judaica, no dizer do exegeta católico Norbert Lohfink, "um dos livros mais cheios de sangue da literatura mundial"? De qualquer modo, o nome de Deus foi demasiadas vezes invocado para legitimar a violência e o derramamento de sangue de inocentes.
É certo que no Novo Testamento, na única tentativa de "definir" Deus, se diz que "Deus é amor incondicional". Mas também há acenos para uma interpretação sacrificial da morte de Cristo, teorizada sobretudo por santo Anselmo e desde então muito pregada: Deus precisou da morte do seu próprio Filho, para reparar a ofensa infinita cometida pelos homens e assim reconciliar-se com a humanidade. Ora, precisamente perante esta concepção sacrificial da sua morte como preço do resgate do pecado, como não entender a inversão da oração de Cristo na Cruz? Onde, no Evangelho, se diz: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem", lê-se, em Saramago: "Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez".
A negação determinada não significa negação real. A pergunta é, portanto, se Saramago negou realmente Deus ou se, pelo contrário, na negação do deus arbitrário e sanguinário, não está dialecticamente presente o clamor pelo único Deus verdadeiro, o do Anti-mal. De qualquer modo, segundo Saramago, "Deus é o silêncio do universo, e o ser humano o grito que dá sentido a esse silêncio". "Esta definição de Saramago é a mais bela que alguma vez li ou ouvi", escreveu o teólogo Juan José Tamayo.


Bom Domingo!

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Alexandre Herculano



será revisitado amanhã, sexta-feira, pelas 18 horas, na Sociedade de Geografia de Lisboa, junto ao Coliseu (metro Restauradores).
António Carlos Cortez (fotografia acima, a primeira, claro!), crítico, investigador, poeta, vai abordar a vertente de teorizador do romantismo desta figura maior das nossas letras.
A não perder!
Aqui fica o convite para que apareçam!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Evangelho e corrupção


Transcrevo o texto retirado do site de Frei Bento Domingues, texto este que foi previamente no Público.

Para ler e meditar, claro:

'1. Na Missa do Domingo passado, coube-me ler uma parábola de Jesus, contada por S. Lucas e que passo a reproduzir: Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Um homem rico tinha um administrador que foi denunciado por andar a desperdiçar os seus bens. Mandou-o chamar e disse-lhe: Que é isto que ouço dizer de ti? Presta contas da tua administração, porque já não podes continuar a administrar. O administrador disse consigo: Que hei-de fazer, agora que o meu senhor me vai tirar a administração? Para cavar não tenho força, de mendigar tenho vergonha. Já sei o que hei-de fazer, para que, ao ser despedido da administração, alguém me receba em sua casa. Mandou chamar um por um os devedores do seu senhor e disse ao primeiro: Quanto deves ao meu senhor? Ele respondeu: Cem talhas de azeite. O administrador disse-lhe: Toma a tua conta: senta-te depressa e escreve cinquenta. A seguir disse a outro: E tu quanto deves? Ele respondeu: Cem medidas de trigo. Disse-lhe o administrador: Toma a tua conta e escreve oitenta. E o senhor elogiou o administrador desonesto, por ter procedido com esperteza.

Há parábolas do Novo Testamento que parecem guiadas por um propósito de enervar alguns grupos de ouvintes, em vez de procurar a sua benevolência como manda a boa retórica. A intriga, tecida de paradoxos e até de situações imorais, punha em causa a ortodoxia das rotinas.

Na leitura, fiz de conta que a parábola já tinha chegado ao fim e que ia começar a homilia. Senti um mal-estar na assembleia.

Através dos meios de comunicação, a nível internacional e nacional, muitos gestores de empresas e bancos são acusados de terem lançado muitos milhões de pessoas no desemprego. Vir, agora, o Evangelho elogiar o comportamento do administrador corrupto e corruptor, era de mais!

A parábola não tinha chegado ao fim, pelo contrário: De facto, os filhos deste mundo são mais espertos do que os filhos da luz, no trato com os seus semelhantes. Ora Eu digo-vos: Arranjai amigos com o vil dinheiro, para que, quando este vier a faltar, eles vos recebam nas moradas eternas. Quem é fiel nas coisas pequenas também é fiel nas grandes; e quem é injusto nas coisas pequenas, também é injusto nas grandes. Se não fostes fiéis no que se refere ao vil dinheiro, quem vos confiará o verdadeiro bem? E se não fostes fiéis no bem alheio, quem vos entregará o que é vosso?

Finalmente, atirava a matar: Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque, ou não gosta de um deles e estima o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.

No missal, o texto acabava realmente aqui, mas omitia o fracasso de Jesus: Os fariseus, amigos do dinheiro, ouviam tudo isso e riam-se dele.

2. É verdade que Cristo não se notabilizou na gestão financeira de qualquer empresa ou banco. Foi, aliás, um grupo de mulheres que subsidiou o seu projecto (Lc 8, 3) e Judas, a quem estava confiada a bolsa comum, foi acusado de ladrão… Também não consta que, hoje, Jesus seja muito invocado nas Faculdades de Gestão e Economia, mesmo nas Universidades Católicas.

Se, na parábola citada, o administrador corrupto é louvado, não é por ser corrupto, mas por se mostrar esperto ao ver a sua posição ameaçada. O que Jesus lamenta é, precisamente, a falta de esperteza e de audácia dos chamados ao serviço das boas causas, isto é, os filhos da luz. As boas causas, mal servidas, ficam desautorizadas assim como os seus caminhos. De boas intenções está o inferno cheio. A Doutrina Social da Igreja, carregada de altíssimos e generosos princípios, não tem encontrado, nos milhares de economistas e gestores católicos – e empresários – do mundo inteiro e mesmo cá, em Portugal, vontade de investigar e encontrar alternativas à economia e à gestão que nos perdem. Porque será que a influência do Evangelho, mesmo nas Universidades Católicas, não leva os melhores alunos e professores a estudar e a criar formas de economia e de gestão que se inscrevam na “luta contra a pobreza e no amor preferencial da Igreja pelos pobres” de que falou João Paulo II, em Puebla?

3. Jesus chega ao fim desta parábola com a urgência de uma opção fundamental para os seus discípulos: Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro. Tinha começado a sua pregação pela resistência activa à tentação do poder absoluto do dinheiro que comanda a economia, a política e a religião, o nosso quotidiano.

Quando, porém, a parábola fala de servir a Deus como um absoluto, não é para fazer dele o rival da felicidade humana nem para dizer que os bens deste mundo, que se compram e vendem com o vil dinheiro, sejam um mal. O que a generosidade de Deus não pode tolerar é que se torne privilégio de alguns o que deve estar ao serviço de todos. Servir o dinheiro e o que ele consegue, como um absoluto, é deixar-se escravizar pelos êxitos que envenenam o mundo, sobretudo pelo comércio das armas e dos seres humanos.

Não admira que os fariseus, amigos do dinheiro, ao ouvirem tudo isto, continuem a pensar que Jesus é um ingénuo!'

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A propósito do diálogo entre a palavra e a imagem




"Cheating the Void," de Tony Harrison
(tendo em mente "La Sortie des usines Lumière à Lyon ")

"Oblivion is darkness, Memory light.
They're locked in eternal struggle. Which
of these two forces really shows its might
when death's doors are thrown open by a switch?

These people are all dead, and yet they walk.
The first in fact to move on celluloid.
Though they are silent and won't ever talk
their very moments seemed to cheat the void.
Deaths no longer absolute, wrote the reviewer
having seen this film in 1895.
Do our TVs and videos make that truer
and help to make the dead seem more alive?"

sábado, 16 de outubro de 2010

A importância de cair no caldeirão em pequenino!

Obélix caiu no caldeirão com a poção mágica em pequenino e esse episódio marcou-o para o resto da vida. Há uns anos, estava eu numa reunião, numa daquelas intermináveis reuniões do conselho científico, quando, durante uma pausa, um colega me perguntou se eu queria chá. Com o exemplo do Obélix em mente retorqui-lhe que não, obrigado, pois tinha caído num bule quando era pequenino. Chá era uma coisa que eu já tinha bebido em criança, contrariamente a outras pessoas... Para bom entendedor...
De facto, aquilo que aprendemos em criança forma o nosso carácter.
Por exemplo, sempre me ensinaram que tinha de ser pontual. Que era uma falta de respeito para com os outros e um sintoma de desleixo para connosco.
Já adulto, ao ler a Autobiografia do Ben Franklin, constatei que também os Founding Fathers pensavam assim.
Les bons esprits se rencontrent...
Por isso mesmo começo hoje as minhas aulas à hora designada no horário, e os estudantes sabem que quem chega três minutos depois já perdeu qualquer coisa.
No ensino online preservo igual rigor.
Por tudo isto, não consigo nutrir respeito algum por todos aqueles (governantes incluídos) que recorrem aos mais diversificados argumentos para justificar os seus sistemáticos atrasos.
Como podemos confiar em gente que não respeita os critérios mínimos de vida em sociedade?
A ética, sim, a ética assimila-se a partir do berço e quem não a assimilou desde mais tenra idade, não é em adulto que o fará.
E bem podem evocar a modernidade e...
Sorte a do Obélix e a minha e a daqueles que eu respeito... pelo culto do chá!
Bom fim de semana!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Meditações



A poesia colonial (penso nas colónias americanas, claro) puritana, a poesia de Anne Bradstreet e Edward Taylor (aqui ao lado), em especial, revelam de que forma a meditação passa pela leitura dos textos sagrados enquanto impulso para a avaliação do sujeito.
Daí que um crítico tenha dito serem estes hermeneutas compulsivos.
Veja-se, por exemplo, estas estrofes iniciais de uma meditação suscitada pelo versículo de Ezequiel (37:24) "David my Servant shall be their King":

Dull, dull indeed! What, shall it e'er be thus?
And why? Are not Thy promises, my Lord,
Rich, quick'ning things? How should my full cheeks blush
To find me thus? And those a lifeless word?
My heart is heedless: unconcerned hereat:
I find my spirits spiritless and flat.

Thou court'st mine eyes in sparkling colors bright,
Most bright indeed, and soul-enamouring,
With the most shining sun, whose beams did smite
Me with delightful smiles to make me spring.
Embellished knots of love assault my mind,
Which still is dull, as if this sun n'er shined.


Porque não aprender algo com eles, para além do fruir estético?
Veja-se, por exemplo, este passo de Lucas, não por aquilo que ele parece antecipar dos factos que o quotidiano nos revela através dos media - dos corredores do poder, dos boys and girls-, mas, em particular na disforia destes tempos, naquilo que de relação especular com cada um de nós essas palavras devem manter.
Eis Lucas, então:

Entretanto, a multidão tinha-se reunido; eram milhares, a ponto de se pisarem uns aos outros. Jesus começou a dizer primeiramente aos seus discípulos: «Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. Nada há encoberto que não venha a descobrir-se, nem oculto que não venha a conhecer-se. Porque tudo quanto tiverdes dito nas trevas há-de ouvir-se em plena luz, e o que tiverdes dito ao ouvido, em lugares retirados, será proclamado sobre os terraços. Digo-vos a vós, meus amigos: Não temais os que matam o corpo e, depois, nada mais podem fazer. Vou mostrar-vos a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem o poder de lançar na Geena. Sim, Eu vo-lo digo, a esse é que deveis temer. Não se vendem cinco pássaros por duas pequeninas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus. Mais ainda, até os cabelos da vossa cabeça estão contados. Não temais: valeis mais do que muitos pássaros.


[Lucas 12, 1-7]

Flurkapelle, a Capela do Campo ou...



como escreveu Raúl Brandão n' Os Pescadores (e que eu utilizei como epígrafe para o meu primeiro livro de poemas, Cidades de Refúgio): ... o que idealiza o monte bruto e espesso, a vida rude e o sítio agreste, é sempre a igreja, a torre e a cruz.

Neste caso não é o monte, mas sim a planície que define as circunstâncias do lugar.

A capela foi desenhada e edificada por estudantes da escola de arquitectura do Illinois Institute of Technology, de Chicago, sob a direcção do seu professor Frank Flury.

Desenhadores em Chicago, capela na Alemanha...

Porquê esta grande distância e esta colaboração entre as duas margens do Atlântico?

[Colhi esta informação do site da Pastoral da Cultura (embora tenha actualizado para a nossa língua antes do Acordo Ortográfico).]

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A humildade que reconhece a sua indigência


(O rei David em oração, concebido por Pieter de Grebber)
«A oração do humilde penetrará as nuvens» (Ben Sira 35, 17).

Optimismos... ou apenas lucidez?


-"La littérature sert-elle encore à quelquer chose?
- Oui, à nous dégoûter d'un monde qu'on n'arrête pas de nous présenter comme désirable."

Constatação do escritor francês Philippe Murray (1945-2008).

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Aparências...


A propósito do tópico recorro a Evangelho segundo S. Lucas 11,42-46.
"'Ai de vós, fariseus, porque gostais do primeiro lugar nas sinagogas e de ser cumprimentados nas praças!
Ai de vós, porque sois como os túmulos, que não se vêem e sobre os quais as pessoas passam sem se aperceberem!'
Um doutor da Lei tomou a palavra e disse-lhe: 'Mestre, falando assim, também nos insultas a nós.'
Mas Ele respondeu: 'Ai de vós, também, doutores da Lei, porque carregais os homens com fardos insuportáveis e nem sequer com um dedo tocais nesses fardos!'"

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Há dias assim,

dias em que tudo se conjuga contra nós. De facto, depois de ter sido selvaticamente agredido por singulares dotes oratórios, recebi um mail com os acentos todos ao contrário. Não era um sms de um adolescente, não; nem um mail elíptico de um qualquer jovem em stress. Não, este era de alguém que, da sua mediania universitária, me agredia.
Oh, pobre língua portuguesa!
Já não lhe bastava o Acordo Ortográfico, agora é a recessão que na nossa língua se instala.
Que pecado terei eu cometido para ser objecto de tanta agressão num só dia?
Enfim, são sinuosos os caminhos do Senhor!

Tristezas...


Ouvi alguém falar... alguém falar em público... alguém falar perante uma vasta plateia... alguém com responsabilidades institucionais falar... alguém que me trouxe à mente o nosso velho amigo... um velho amigo que transcrevo numa memória pré, pré-acordo ortográfico... um amigo que dá pelo nome de... Bernardo Soares:
"Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida."

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Quando oiço os debates e as entrevistas,



os (falsos) argumentos e os slogans com que amiúde somos bombardeados pelo nosso paupérrimo discurso político...
Quando oiço as palavras (sábias) de Mário Soares que afirma serem os políticos como os vinhos, e que estamos neste momento a viver uma produção generalizada de... vinho a martelo...
Quando oiço tudo isto, não posso deixar de me lembrar dos versos de Leonard Cohen em "Democracy":

"I'm sentimental, if you know what I mean
I love the country but I can't stand the scene.
And I'm neither left or right
I'm just staying home tonight,
getting lost in that hopeless little screen.
But I'm stubborn as those garbage bags
that Time cannot decay,
I'm junk but I'm still holding up
this little wild bouquet"

E cuidado, pois amanhã celebra-se o 5 de Outubro, o que significa que as nossas trompas de eustáquio serão bombardeadas com banalidades e clichés, com os quais pretenderão fazer-nos esquecer as ruínas em que persistimos.
Boa semana!

domingo, 3 de outubro de 2010

Uma nova tradução de textos bíblicos


em língua inglesa, da autoria de Rober Alter, é abordada no The New Yorker.
Refira-se que Robert Alter, eminente scholar de estudos bíblicos, é o autor do clássico The Art of Biblical Narrative, um livro precioso que adquiri nos Estados Unidos em 1985, pouco depois de ele ter sido publicado, e que muito útil me foi para as minhas aulas, nomeadamente de Introdução aos Estudos Literários e de Literatura Norte-Americana.
A importância deste livro é reconhecida, por exemplo, por José Tolentino Mendonça na sua tese de doutoramento, publicada pela Assírio & Alvim.
Deixo-vos o texto que nos recorda quão profundo foi o eco que a King James Version teve nos nossos horizontes culturais:
'THE SUN (ALSO) RISES: HOW ALTER’S NEW TRANSLATION FARES IN LITERATURE
By Nathaniel Stein

This month, Robert Alter publishes a new translation of three Biblical books in “The Wisdom Books: Job, Proverbs, and Ecclesiastes: A Translation with Commentary.” Alter, a Hebrew literature scholar at the University of California who has previously translated the Psalms and the five books of Moses, offers a rich alternative to the familiar translation that is in many ways more faithful to the ancient rhythms and meanings. James Wood, in a 2007 review of an earlier Alter translation, noted that “the Psalms (like the book of Job) were relentlessly Christianized by the King James translators,” and praised Alter for “stripping the English of these artificial cleansers” and “[taking] us back to the essence of the meaning.”

But the various inaccuracies and other inadequacies of the King James Version, though they justify a new translation, are beside the point when it comes to that version’s aesthetic power. The K.J.V. is so ingrained—its poetry has so completely seeped into the collective consciousness of the English-speaking world—that a new rendering, however valuable, is a vaguely disconcerting experience. In the four centuries since its completion, the K.J.V. has become our lives’ background poetry, its phrases and rhythms echoing through the canon, having been endlessly plundered by writers in search of a turn of phrase, or of a certain resonance unattainable elsewhere.

Which suggests a fun exercise for quickly determining just how different Alter’s new version is. In a world that possessed only this new translation, how would some familiar works be different? How would those famous titles, epigraphs, and other allusions come out?

For starters: “The Sun Also Rises,” taken from Ecclesiastes 1:5, would be “The Sun Rises.” Here is the King James Version:

One generation passeth away, and another generation cometh; but the earth abideth forever… The sun also ariseth, and the sun goeth down, and hasteth to the place where he arose… The wind goeth toward the south, and turneth about unto the north; it whirleth about continually, and the wind returneth again according to its circuits… All the rivers run into the sea; yet the sea is not full; unto the place from whence the rivers come thither they return again.
And here is Alter’s:

A generation goes and a generation comes, but the earth endures forever.
The sun rises and the sun sets, and to its place it glides, there it rises.
It goes to the south and swings round to the north, round and round goes the wind, and on its rounds the wind returns.

All the rivers go to the sea, and the sea is not full.

To the place that the rivers go, there they return to go.
Richard Wright, who actually used the American Standard Version of the Book of Job for the epigraph to his Native Son—”Even today is my complaint rebellious / My stroke is heavier than my groaning”—would compromise only slightly with: “Even now my complaint is defiant, / His hand lies heavy as I groan.” The opening quotation of Oliver Stone’s movie “Platoon” also would remain relatively unscathed—”Rejoice, O young man, in thy youth” would be “Rejoice, young man, in your youth.”

But not everyone would escape so easily. Melville’s sub-sub-librarian of “Moby-Dick,” who “appears to have gone through the long Vaticans and street-stalls of the earth, picking up whatever random allusions to whales he could anyways find in any book whatsoever,” would have substituted his “Leviathan maketh a path to shine after him; / One would think the deep to be hoary” with the rather less satisfying “Behind him glistens a wake, / he makes the deep seem hoary.” Saul Bellow, whose thorns in “Herzog” “crackled”—echoing King James’s Ecclesiastes (“For like the crackling of thorns beneath the pot, so is the laughter of the fool”)—would have had to settle for a mere “sound of thorns beneath the pot.”

In the end, though, this cursory test tends to reveal the similarities of these two versions more than the differences. Later in Bellow’s book, Herzog’s parodic “time to speak and a time to shut up” would remain intact. So would T. S. Eliot’s “There will be a time to murder and create” in “The Love Song of J. Alfred Prufrock.” (So, for that matter, would John Grisham’s title “A Time to Kill.”) That’s because, unlike Eliot and Bellow, Alter finds little to warp and bend in the famous opening of Ecclesiastes’s third chapter. He leaves the haunting rhythm of the King James Version essentially unchanged:

Everything has a season, and a time for every matter under the heavens.
A time to be born and a time to die. A time to plant and a time to uproot what is planted.
A time to kill and a time to heal. A time to rip down and a time to build.
A time to weep and a time to laugh. A time to mourn and a time to dance.
A time to fling stones and a time to gather stones in. A time to embrace and a time to pull back from embracing.
A time to seek and a time to lose. A time to keep and a time to fling away.
A time to tear and a time to sew. A time to keep silent and a time to speak.
A time to love and a time to hate. A time for war and a time for peace.'

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Contagem decrescente


para a saída do meu romance, Inveja (Uma novela académica), sob a chancela da Assírio & Alvim. Dia 19 é a data prevista.
A capa (radicalmente adequada à fealdade do tema) reproduz um quadro do pintor Mário Rita.
Yvette Centeno fez uma recensão do romance na revista Colóquio Letras (Setembro/Dezembro).
Deixo-vos apenas a referência e a breve citação de um passo do generoso texto da Professora na contra-capa.
Bom fim de semana!