sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Manoel de Oliveira celebra hoje 101 anos



Excerto de um texto meu sobre Palavra e Utopia apresentado na Sociedade de Geografia de Lisboa, que será publicado no Boletim desta instituição:

"Primeira questão: como filmar uma identidade concebida e afirmada através da palavra, do discurso? Segunda questão, inerente à anterior: como reproduzi-la, sabendo que, nos tempos que correm, se afirma como absoluto a incapacidade de reter a atenção comum perante o discurso? Quando o espectador está rotinado a ver filmes com planos de duração média de 5.15 segundos, 4.75 se for digital, e quando estudos há apontando para um tempo médio de meio a 3 segundos para que uma audiência se ajuste a cada novo plano e o absorva? (Pramaggiore and Wallis, 166) Quando no horizonte de expectativas do espectador a acção parece prescindir da enunciação? Tentarei responder a estas questões nesta leitura do filme de Manoel de Oliveira, Palavra e Utopia.

Comecemos pelo título. Oliveira enuncia logo aí a centralidade da palavra no filme; o que significa a assunção de uma estratégia contra a corrente. Esta não deverá, todavia, ser reduzida a uma vinculação estética do Mestre, a uma assinatura sua; nem aos constrangimentos orçamentais, embora este possam ter sido determinantes. Disse-me um amigo que com ele trabalhou, a nível da produção, neste filme, que Oliveira afirmou terem sido esses constrangimentos importantes para as suas soluções estéticas e narrativas. Independentemente desses constrangimentos, a ênfase tanto na palavra, no signo, como na utopia denuncia uma percepção clara das dimensões fulcrais na obra de Padre António Vieira.

Veja-se, desde logo, o travelling inicial, durante o qual são exibidos os créditos. Oliveira utiliza aí um plano contra-picado expondo copas de árvores que, por seu turno, nos apontam o céu. Estamos, portanto, em plena densidade de significação: assim se indicia, pelo símbolo ou pela metáfora, uma dimensão espiritual, e, por sinédoque, uma presença central na vida de Vieira, a floresta, e, por extensão, o índio que nela habita ou o escravo que nela será forçado a trabalhar e que o pregador tomará como uma das causas da sua palavra.

Mas como se articula a palavra, seja esta a do sermão ou a da carta, e uma narrativa autobiográfica. Escreve uma especialista em Vieira, Maria Lucília Pires: “... a perspectiva de leitura que me parece mais sedutora consiste em encarar as cartas como construção de um auto-retrato....” (Pires 25) O próprio Verney, que não nutria uma simpatia particular pelos seus sermões, escreve: “Vejo nas suas cartas retratado um ânimo grande, um desinteresse nobre, uma viva paixão pelos aumentos do seu reino e ardente desejo de sesacrificar por ele... Se eu vivesse no seu tempo, seria o seu maior amigo.” (25) E será exactamente a partir das cartas e também, obviamente, dos sermões que Oliveira constrói esta biografia."

Acima de tudo, importante é ver os filmes do Mestre!

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