segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

As "Metamorfoses" de Sena



"Jorge de Sena é um dos vultos maiores da literatura portuguesa do século XX. Com uma obra extensa e diversificada, abrangendo da poesia ao drama, da narrativa à crítica, da tradução à ensaística, Sena é autor de Metamorfoses, um livro de poemas singular da nossa poesia contemporânea.

Neste livro, o autor toma referentes explícitos das artes visuais como impulso para a criação dos seus poemas. Descrições, interpelações irónicas ao leitor, confissões de raiz biográfica mais ou menos explícitas, leituras de sentidos eventualmente difusos, são algumas das estratégias de enunciação por ele utilizadas, e que funcionarão aqui como ponto de partida para uma reflexão sobre algumas das vertentes do diálogo entre a poesia e as artes visuais.

Num ensaio dedicado a Jorge de Sena, incluído em Os dois crepúsculos, Joaquim Manuel Magalhães refere ser o autor de Sinais de Fogo “responsável, nos anos 60, por uma mudança qualitativa na nossa poesia ao publicar Metamorfoses.” (Magalhães, 1981:59)

De acordo com aquele poeta e ensaista, tal dever-se-ia ao facto de Sena aí ter erguido “a uma prática nossa a possibilidade de ultrapassagem do lirismo objectivo da heteronímia pessoana, propondo uma sequência de descrições subjectivas de objectos artísticos.” (Magalhães, 1981:59)

No passo acima citado, Magalhães destaca dois aspectos:

• em primeiro lugar, a assimilação de uma tradição poética exógena, anglo-saxónica, com a consequente abertura a novos diálogos e a novos encontros estéticos;

• em segundo lugar, a possibilidade de superação de, recorrendo à terminologia consagrada por Harold Bloom, um poeta “forte” precedente, ou seja, Fernando Pessoa.

O próprio Sena definira de uma forma muito clara a sua relação com Pessoa no Posfácio a Metamorfoses, datado de Janeiro de 1963. Escrevera então Sena que já se gastara “o desafinado disco de me acharem discípulo,” acrescentando algo de particularmente relevante: “quando ele é o que é meu, pelo muito que, criticamente, o expliquei por mim.” (Sena, 1978: 167)

Ora, será exactamente através desta relação com o poeta da Mensagem, que o primeiro aspecto acima citado, o da interacção com as tradições poéticas anglo-saxónicas, se insinua."

Este é um passo, algo modificado, do meu livro Ekphrasis - O poeta no atelier do artista (Cosmos).

Boa semana!

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