quarta-feira, 30 de julho de 2014

O olhar sobre a cidade

Em 2015, a 4 de Julho de 2015, mais precisamente, passam trinta anos desses instantes em que vi Nova Iorque a partir das Torres Gémeas. Porque esses instantes únicos pertencem apenas à memória, e antecipando essa "efeméride", deixo-vos o registo dessa experiência segundo Michel de Certeau em L'invention du quotidien: "Être élevé au sommet du World Trade Center, c'est être enlevé à l'emprise de la ville. Le corps n'est plu enlacé par les rues qui le tournent et le retournent selon une loi anonyme; ni possédé, joueur ou joué, par la rumeur de tant de différences et par la nervosité du trafic new-yorkais. Celui qui monte là-haut sort de la masse qui emporte et brasse en elle-même toute identité d'auteurs ou de spectateurs. Icare au-dessus de ces eaux, il peut ignorer les ruses de Dédale en des labyrinthes mobiles et sans fin. Son élévation le transfigure en voyeur. Elle le met à distance. ... Au 110e étage, una affiche, tel un sphynx, propose une énigme au piéton un instant changé en visionnaire: It's hard to be down when you're up."

terça-feira, 22 de julho de 2014

Tratado dos Olhos

é o título do catálogo referente à exposição homónima de Júlio Pomar que podereis (devereis) visitar no Atelier-Museu Júlio Pomar. O curador da exposição, Paulo Pires do Vale, concebeu um diálogo espacial, particularmente fascinante, entre a palavra e a imagem do artista, tendo como mediador pintores a quem a sua obra deve em determinados momentos do seu longo percurso. O catálogo, onde a arte de Manuel Rosa é evidente, merece ser lido e fruido. Como fruido deve ser A cegueira do pintor, o filme, da autoria do curador e de Catarina Mourão, que passa ininterruptamente, lá no alto produzindo um segundo texto para quem deambula no piso inferior. Importa redescobrir a obra ensaística de Pomar - cujos fragmentos iluminam os quadros. Os dois primeiros volumes já vieram a lume, e poderemos lê-los naquele espaço. Sobre esse diálogo escreveu Paulo Pires do Vale: "Em Pomar, a dupla grafia, o desenho do desenho e o desenho da palavra, surge inseparável. ... Uma complementaridade que resulta da consciência do fulgor da falha de cada um dos empreendimentos." Deixo-vos aqui este autoretrato - o primeiro do artista - que podereis ver na exposição. Não percam!

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Três filmes que recomendo

São eles: Only lovers left alive, de Jim Jarmusch, Os filhos do padre, de Vinko Bresan, e Violette, de Martin Provost. São filmes obviamente diferentes tanto no género - da revisitação do filme de vampiros, à comédia, passando pelo biopic -, como na qualidade (Violette é, para mim, inferior aos outros mas teve a virtude de me revelar alguém que, confesso, desconhecia). Os filhos do padre é absolutamente hilariante, apesar da melancolia final. Já Jim Jarmusch está no seu melhor. Quando o meu filho mais velho me perguntou se queria ir ver um filme de vampiros, pensei que estava a gozar comigo. No entanto, bastou ver o frame que aqui insiro, para me decidir de imediato.How visual, como diria Eva numa cena de sublime ironia. Afinal, quem resiste a um casal de vampiros tão sexy, ainda por cima chamados Adão e Eva? Além disso, temos Christopher Marlowe (ele mesmo!) com o impecável John Hurt. Não percam!

terça-feira, 15 de julho de 2014

Hopkins

Descobri este "retiro" centrado na poesia de Gerard Manley Hopkins. Podem consultá-lo em http://pray-as-you-go.org/prayer-resources/gerard-manley-hopkins/

Para alcançar a virtude...

São Rafael Arnaiz Barón (1911-1938), monge trapista espanhol, diz-nos como: "Que tortuosos caminhos temos de percorrer para alcançar a simplicidade! […] Muitas vezes, se não praticamos esta virtude, é devido ao nosso modo de ser complicado, que rejeita a simplicidade. Muitas vezes, não conseguimos entender a grandiosidade que se esconde num acto de simplicidade. Procuramos o que é grandioso no que é complicado; buscamos a magnificência das coisas na sua dificuldade […] A virtude, Deus, a vida interior: que difícil me parecia viver tudo isto! Agora, não é que tenha a virtude, ou que o meu conhecimento de Deus e da vida espiritual esteja completamente claro, mas vi que alcançamos tudo isso justamente ao contrário, pela simplicidade de coração e pela pureza de espírito. […] Sim, é verdade: para alcançar a virtude não é necessário fazer um plano de caminho, nem dedicarmo-nos a grandes estudos; basta o simples acto de querer; muitas vezes, basta a simples vontade. Então, porque não alcançamos a virtude mais vezes? Porque não somos simples; porque complicamos os nossos desejos; porque, devido à nossa falta de vontade, tudo o que queremos se torna difícil. Ela deixa-se levar pelo que lhe agrada, pelo que é cómodo, pelo que não é necessário, e muitas vezes por desejos desordenados. […] Se quiséssemos, seriamos santos, e é muito mais difícil ser engenheiro do que ser santo."

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Division Street,

referi-o há dias, é um livro de poemas (o primeiro) de Helen Mort, uma jovem poeta inglesa, que tenho vindo a ler com renovado prazer. Como referi na altura, há aqui um revisitar prosódico que, no seu encontro com a memória pessoal e a colectiva (o título evoca os conflitos laborais/sociais, em Sheffield, corria o ano de 1984 - um ano, portanto, do nascimento de Helen Mort), jamais resvala para o sentimentalismo. Deixo-vos o poema de abertura, intitulado "The French for Death" (ainda o wit), juntamente com a capa do livro e de uma foto da autora:

terça-feira, 1 de julho de 2014

Os poetas ingleses contemporâneos

persistem no diálogo com tradições (formas) noutros lugares consideradas arcaicas. Fazem-no, porém, através de uma ancoragem no quotidiano e de uma discursividade declarativa que os impede de resvalar para o formalismo. Quando digo "poetas ingleses", estou a pensar em consagrados, como Hugo Williams (72 anos), ou jovens, como Helen Mort (nasceu em 85 e escreveu um belo livro, Division Street [dele falarei noutra altura]); poetas que muito me dizem... muito me sensibilizam... E depois há aquele sentido de humor que nos é tão estranho. Vejam estes versos de I knew the bride, o mais recente livro de Hugo williams que estou a ler, lenta e deliciadamente: “The beauty of dialysis / is that it saves you the trouble / of planning too far ahead”. Boas leituras!

Se passarem por Cascais

façam uma pausa na Fundação Dom Luís e fruam a exposição de Diogo Muñoz. Sobre ele escreveu Giada Rodani: Na sua produção mais recente Diogo desenvolveu um percurso de procura, que o levou a atingir um repertório de temáticas e imagens que remetem à cultura Pop assim como a ícones da história da arte. É aqui que, no espaço da tela, se sucedem cenários e personagens que trasladados da realidade histórica entram no presente da tela, no presente do pintor. Mestres do passado como Velasquez e Picasso dialogam com os ícones pop do nosso tempo, aqueles da BD e das revistas ilustradas, criando um vórtice temporal no qual a cultura alta se mescla com aquela das massas, da televisão, do espectáculo, gerando um "pastiche" de anacronismos imagéticos. Sintoma da actual perda de perspectiva do presente, da massificação e desvalorização do significado, o seu olhar frequentemente irónico, por vezes sarcástico, reflete uma sociedade, a ocidental, saturada de estímulos, que reduz a cultura a produto cultural e, ao mesmo tempo, a priva de verdadeiros pontos de referência. Os protagonistas dos seus quadros, reduzidos a ícones e a ídolos, falam desta "essência". Todavia, no momento em que tais personagens são esvaziados do seu significado comum, são libertados do seu rígido simbolismo para adquirir nova vida através da recontextualização espacio-temporal que lhes imprime o quadro. Estou certo de que não vão dar o vosso tempo por perdido...

"Se ao menos a vida

fosse como o jazz," dei por mim a pensar durante o concerto do quarteto de Massimo Cavalli, na passada sexta-feira, no HotClub. Porquê? Porque este é um dos raros espaços em que indivíduo e colectivo se conjugam, formando um todo harmonioso, sem, todavia, deixarem de expressar e afirmar as suas individualidades. Além disso - e talvez mais relevante -, num país em que a epopeia nacional termina com a palavra "inveja", o jazz surpreende-nos com essa coisa algo inesperada que é o facto de os diferentes músicos fruirem as intervenções alheias. Divertem-se com elas. Enaltecem-nas. Aplaudem-nas. Cá fora, encolhemos os ombros e dizemos (sussurramos...), na melhor das hipóteses: "Não foi mau, mas podia ter sido melhor..." Ah, a inveja! Já, em tempos, aqui falei do cd do Massimo Cavalli. Fica, portanto, o lembrete. Se ao menos a vida fosse como o jazz...