segunda-feira, 24 de maio de 2010

Para tentar continuar a surpreender!


O sublime o quotidiano - A Odisseia e a Bíblia, livros fundadores de uma cultura:

"Na sua obra monumental sobre o realismo na literatura do Ocidente, Auerbach distingue dois únicos paradigmas como fundamentais: o da Odisseia e o da Bíblia.
O poema homérico trata de forma exaustiva os seus motivos, esforçando-se para que tudo seja exacto, articulado, visível: desde as relações de tempo e lugar, aos nexos de causalidade e às vinculações comparativas, nada, na verdade, é deixado como fragmento, lacuna, profundidade ou prega por explorar. O destino das personagens e das intrigas está claramente fixado. Ocorrem intrincadas peripécias, mas dentro da linearidade das fórmulas predeterminadas. Além disso, o texto helénico é restrito e estático. A existência heróica desenvolve-se no reduto do universo senhoril. ...
Na Bíblia, o quadro social que se descobre é plural e amplo: reis destronados por pastores, pequenos proprietários que resistem à opressão de poderosos, cortesãos que caem ou ascendem, deportados, mulheres fortes, indagadores, furibundos, pacíficos, sonhadores, oficiantes. Os personagens da Bíblia são narrativamente desenhados com uma profundidade maior de consciência e destino. A sua presença não é sequer laboriosamente descrita. Por vezes basta um traço, um detalhe, uma escuridão, alguma coisa que acene imprecisa na distância, para recolher isso que cada um é de único."
In José Tolentino Mendonça,
A leitura infinita - Bíblia e Interpretação
, Lisboa, Assírio & Alvim, 2008, p. 17.

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