quarta-feira, 17 de julho de 2013
"Entre o céu e a terra"
é o título de um belíssimo livro de Rui Chafes, sobre o qual saiu uma recensão minha no último número da Colóquio Letras. Dela deixo-vos aqui um breve apontamento:
"A frase inicial de Entre o céu e a terra não pode deixar de causar perplexidade: “Nasci em 1266 numa pequena aldeia, que já não existe, na Francónia, na Baviera.” (p. 11) Sabendo nós que Rui Chafes é um artista contemporâneo, como se justifica esta declaração na primeira secção do livro intitulada “História da minha vida”? E, todavia, esta é, de facto, uma narrativa autobiográfica de aprendizagem e formação estética; um bildungsroman, afinal.
Enquanto Eliot convocou a solenidade decorosa do ensaio em “Tradição e talento individual”, para, subliminarmente, justificar o seu percurso criativo através da sua afinidade com vozes que, ao longo do tempo, teriam definido, não uma tradição, mas sim a tradição, Rui Chafes optou por um registo claramente subjectivo, o da autobiografia, para delinear, não apenas uma estética na qual se revê, mas também um percurso formativo, um percurso de aprendizagem “[d]esse difícil mister de formar o espaço, de o interrogar, de o inverter, de substituir um objecto pela sua sombra.” (p. 12) Daí que esta primeira secção de Entre o céu e a terra participe do subgénero bildungsroman; mais correcto seria dizer que o revê e amplia.
Com efeito, o percurso aqui exposto revela ser, desde logo, um solo de tensões estéticas próprias - mesmo quando não enunciadas - dos tempos em que emergem os momentos mais significativos da narrativa; por exemplo, as tensões entre luz e sombra.
Importa recordar que, em torno do conceito de luz, se edificou uma influente tradição do pensamento que percorre a Idade Média, dos neoplatónicos a Santo Agostinho, de João Escoto Erígena a São Tomás de Aquino. Esta tradição atribuiu à luz um estatuto privilegiado enquanto teofania entre os elementos materiais1. Por seu turno, a sombra2 participa de um estatuto ontológico medievo que persiste ainda em Giotto, o qual terá nascido em 1266, ou seja, no mesmo ano que o autor desta história. Ora, enquanto no período medievo a sombra persistia nas margens do registo pictórico, com Giotto ela afirma a sua presença. É com essa afirmação que se inicia o percurso de aprendizagem do artista. Assim emerge também uma filiação e uma estética."
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