quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

"Lincoln" - Entre epopeia e melodrama

Spielberg é um mestre da epopeia e do melodrama; ou melhor seria dizer, da manipulação destes dois géneros e da sua fusão, assim criando uma narrativa dinâmica e profundamente persuasora. Duas horas e meia de filme simplesmente fluem sem que disso nos apercebamos (ao contrário do que se passou, pelo menos comigo, com o Django de Tarantino). Sendo este um filme que imerge profundamente na História, ele não é, nem pretende sê-lo, um documentário histórico. Centrado nos factos que, ao longo de alguns meses, envolveram a aprovação da 13ª Emenda sobre o termo da Escravatura, Lincoln manipula esses mesmos factos de modo a acentuar a eficácia da narrativa; isto é, contando bem uma história. Não se pense, por isso, que, ao ver o filme, estaremos a ter, necessariamente, uma lição de História factual. Por exemplo, o senador Thaddeus Stevens era um yankee, originário do Vermont; logo, não teria sotaque do Texas. Fosse Medeiros Ferreira uma figura política relevante como Stevens foi, era a mesma coisa que ouvi-lo a dar uma entrevista sobre os seus sucessos com... sotaque alfacinha! Irreconhecível sem o seu inestimável sotaque açoreano, portanto! No entanto, Tommy Lee Jones recompõe visualmente, com um rigor impressionante, o perfil de Stevens. Até a singela peruca parece a do senador! Outro exemplo: contrariamente ao que sucede no filme, Mary Todd Lincoln nunca assistiu aos debates na Câmara dos Representantes. Nem a delegação confederada foi recebida por um pelotão de negros. Nem o debate na Câmara assumia o confronto directo. Quanto muito, seriam como aquela família de True Stories, de David Byrne, em que o marido e a mulher comunicam através dos filhos. Neste caso, os membros deveriam dirigir-se primeiro ao Speaker. E não é imaginável que Lincoln praguejasse, perante estranhos, Well, I’ll be fucked!! Nem Madam President, como ela gostava de ser tratada - rigor no filme, portanto - teria falhas protocolares como a que sucede na recepção de gala. Afinal, Madam President não era, propriamente, uma atrasada mental como a Letícia, ou como a sua sucessora - em termos de atrasos mentais- Diana! E, contrariamente ao que se pretende mostrar, se a guerra terminasse no princípio de 1865, a escravatura estaria radicalmente posta em causa: mais de três milhões de escravos tinham sido já libertados em estados do Sul. E Lincoln não tinha uma voz tão aflautada! Mas isto são detalhes! É preciso não esquecer que Lincoln não foi apenas uma personagem histórica - o maior presidente americano, mas alguém que o tempo - justamente - elevou à categoria de mito. Como lidar com o mito? Humanizando-o! E Dayy-Lewis fá-lo, sob a batuta do mestre Spielberg. A manipulação dos factos - veja-se o encontro com os jovens soldados que recitam o discurso de Gettysburg (Gettysburg Address que, um dia foi traduzido, por "Morada de Gettysburg"!), e que um soldado negro completa; a notável interpretação de Daniel Day-Lewis - actor do método, diga-se - como esquecer a sua silhueta?; a interacção entre epopeia e melodrama, portanto, fazem deste filme um must! Este Lincoln fica, para mim, no mesmo patamar do de Henry Fonda! Embora ainda o tenha fresco na memória, já anseio por voltar a vê-lo! Acima de tudo, tenho a sensação de que fica tanto por dizer! Bons filmes!

Sem comentários:

Enviar um comentário