sexta-feira, 27 de março de 2015
Luís Guerreiro (1958-2015)
Fomos “unha com carne” naquele tempo em que a Morte, mesmo quando próxima de nós, é ainda algo de distante no tempo; uma coisa destinada, na pior das hipóteses, aos velhotes de cinquenta anos. Foram os anos da vitória da lista que nós designávamos unitária, na Associação de Estudantes em Letras, e partilhámos (literalmente) o quotidiano algures em 1977-1978; dormíamos ora no apartamento que os pais lhe tinham arranjado para a estadia em Lisboa durante o curso, ora em minha casa, onde o Luís tinha um interlocutor constante com o meu pai (e já fazem trinta anos que também ele partiu, ainda na casa dos cinquenta). Entre nós surgiu aquilo que é raro ao longo da vida, pois fomos confidentes mútuos das nossas paixões, medos, idiossincrasias. Vivemos, afinal, as loucuras da juventude como elas devem ser vividas; mesmo sendo o Luís sempre tão sensato. Não sei se por acaso, e através daquelas associações de ideias que o tio Segismundo nos ensinou a desvendar a nossa intimidade não revelada, lembrara-me ontem de um episódio que ele me contara ao regressar da antiga União Soviética. Fora a da despedida de uma paixão (mais uma das idiossincrasias comuns!), já não me recordo se russa- perdão, soviética, que ele então tivera. Dizia o Luís que tinha ocorrido numa gare e que, segundo ele, era digna de um filme com o Bogart; resumia-se nisto: ele corria gare fora enquanto o comboio acelerava e as mãos de ambos se afastavam. Depois do curso só voltei a vê-lo há uns cinco, seis anos num “restaurante mexicano” (que já não existe) no Colombo. Hoje a notícia chegou, brutal e inesperada, no Facebook. E eu estou naturalmente muito, muito triste. É também uma parte da minha juventude, das minhas memórias, que morre, que parte com ele. E aquilo que vos deixo são algumas imagens de como o recordo, naquele tempo em que, no meio de tantos problemas, a Morte, afinal, ainda não o era. Estou certo de que Deus o acolhe agora junto de Si.
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