terça-feira, 27 de janeiro de 2015
Livros recentemente (re)lidos, filmes recentemente (re)vistos
Foi uma prenda de Natal de um dos meus filhos (o outro deu-me um cd do Ryan Adams! Ambos vocacionados na educação do pai, portanto. "Teach your parents well", como disse o Stephen Stills há uns 40 anos...) que, de imediato, devorei. Patti Smith participa de um imaginário da minha juventude; um imaginário que ela revisita neste livro de memórias (ou da sua memória de Robert Mapplethorpe). Entre as descobertas que me proporcionou a sua leitura, encontra-se a da generosidade de Sam Shepard. Eis um excerto de Apenas miúdos, perto do final: "Estava a nevar quando passei por um adro de igreja fechado por um portão de ferro. Reparei que estava a rezar ao ritmo dos meus passos. Caminhei mais depressa. Estava uma bela noite. A neve, que caíra levemente, tombava agora com grande força. Apertei o casaco em torno do meu corpo. Estava no meu quinto mês de e a bebé mexia-se dentro de mim."
segunda-feira, 26 de janeiro de 2015
Livros recentemente (re)lidos, filmes recentemente (re)vistos
Quem já estudou atentamente a filmografia de Clint Eastwood - como eu tenho feito por prazer desde Há trinta anos - sabe estar perante a obra de um Mestre que não tem medo de enfrentar os tópicos mais proibidos das sociedades contemporâneas ocidentais - da pedofilia à eutanásia e ao impulso suicida - passando pela descoberta das alteridades (Flags of Our Fathers e Letters from Iwo Jima), e pela revisão do género cinematográfico americano por excelência (Pale Rider, releitura simbólica de Shane; e Unforgiven, quando a alteridade nos habita). Agora, com American Sniper, o Mestre aborda um tema e uma personagem particularmente polémicos. Mas, vejam atentamente e não se deixem levar por aquilo que críticos idiotas dizem, pensem naquilo que Henry James nos ensinou sobre o ponto de vista, e depois deixem-se enlevar pela narrativa.Constatarão que o olhar sobre a guerra é dilacerado; é tudo menos eufórico.
Livros recentemente (re)lidos, livros recentemente (re)vistos
Alexandre Palma é uma das vozes que, entre nós, mais nos interpelam no seio da igreja católica. sistematicamente sustentado pelo texto literário, o seu A Trindade é um mistério - mas podemos falar disso propõe uma revisão ontológica da nossa identidade (cristã) a partir desse conceito. Eis um breve excerto: "... parece vislumbrar-se uma real aproximação entre o que a mente e a memória são em nós e o que o Pai é em Deus. Entre o que a inteligência e o conhecimento são em nós e o Filho é em Deus. Entre o que o amor e a vontade são em nós e o que o Espírito Santo é em Deus. O primeiro é origem primordial de toda a divindade. Por isso, lugar da mente e da memória divinas. O segundo é palavra, verbo, logos de Deus. Por isso, sua expressão, sua revelação, sua inteligência e conhecimento. O terceiro é vínculo, união, elo, laço pessoal. Por isso, seu amor activo, sua vontade concretizada." (p. 165)
Livros recentemente (re)lidos, filmes recentemente (re)vistos
Revi ontem à noite Mr. Turner, e voltei a ser surpreendido com vários detalhes que, com o proverbial wit inglês, nos interpelam. Por exemplo, o trompe-l'oeil após o primeiro encontro com Ruskin. Conhecendo nós os desenhos deste último, de imediato pensamos ser aquela escarpa um desses mesmos desenhos por ele feitos em viagem; contudo, à medida que a câmara se afasta, constatamos ser aquela uma representação do real: a vida imita a arte? Talvez. E depois, aquele comentário de Turner, à mesa, ébrio, para Effie, a mulher de Ruskin - parece que fiquei obcecado por ele... Diz Turner qualquer coisa como "a felicidade ainda virá". Fora-de-campo ouve-se a voz de Ruskin. Sabendo nós que Effie era infeliz e que, em breve, iniciaria uma relação com o pintor pré-rafaelita John Everett Millais - Lembram-se do quadro The order of release?-, fica claro que, mais importante do que o estado de Turner, é a narrativa familiar que ele, instintivo como sempre - lembram-se da cena no Salon?-, desvenda. Quantas mensagens subliminares. Por fim, e depois calo-me, tantos interiores que Mike Leigh filma como se de quadros de Vermeer - a luz, o enquadramento, os objectos, a personagem solitária no plano/quadro - se tratasse. E há mais, claro. Muito mais! Não percam!
Livros recentemente (re)lidos, filmes recentemente (re)vistos
A santidade, um conceito remoto? Eis o argumento que, a partir de O retrato de Mónica, de Sophia de Mello Breyner, nos oferece Tolentino: "... fizemos da santidade uma coisa tão extraordinária, abstracta e inalcançável, que quase não ousamos falar dela. De certa forma, habituámos-nos a olhar para a experiência cristã como que acontecendo a duas velocidades: o caminho heróico dos santos e a frágil estrada que é a de todos os outros, e por maior razão a nossa. Ora esta concepção de santidade não pode estar mais longe daquilo que a tradição cristã propõe. O concílio Vaticano II, por exemplo, deixa bem claro: a santidade é a vocação mais inclusiva e comum (LG 5). Mas é preciso entender de que falamos, quando falamos de santidade.
Bastar-nos-ia certamente ler as bem-aventuranças. Jesus não declara que os bem-aventurados são os outros, os que não estão ali. Jesus olha para a multidão e começa por dizer:'bem-aventurados vós os pobres', 'bem-aventurados vós os aflitos' ... Que quer isto dizer? Que são, no fundo, as nossas pobretas, fragilidades, aflições, mansidões, procuras e sedes que dão a substância da bem-aventurança, a matéria da santidade."
Livros recentemente (re)lidos, filmes recentemente (re)vistos
Regresso a este espaço com a referência a um filme que vi há umas semanas, Sono de Inverno. A obra, pasma de outro em Cannes, vem da Turquia (realizador - Nuri Bilge Ceylan). A narrativa decorre no cenário minimalista da Capadócia. A presidente do júri do festival, Jane Campion, disse ser este um filme devedor de Tchekhov. De facto, impressiona-nos o tempo - o kairós - e o modo como nele emergem as tensões, antes apenas pressentidas, entre as personagens - um núcleo, também ele, radicalmente minimal - marido, mulher, irmã dele -, o que não torna insignificantes as outras que em torno deles se movem. E ainda o tempo da filmagem, melhor, dos planos. Habituados que estamos à esquizofrenia da estética dominante, com planos de 2/3 segundos, aqui somos levados a fruir o espaço e assim partilhá-lo com as personagens e as suas tensões. Bom, e depois... depois - perdoai-me! - há Melisa Sözen, um dos mais belos rostos no cinema contemporâneo.
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