segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Vítor Alves e o aristocrata natural


Há uma altura simpática da nossa vida em que podemos olhar para o futuro com a sensação de que há muitos projectos a realizar, e de que, simultaneamente,já há muitas memórias que se vão arrumando lá para o fundo do sótão, empilhadas umas nas outras... ocultando a maioria delas.
Em particular quando se optou, como eu, por não ser mero espectador nesta vida, mas sim actor (sempre secundário e com papéis hiper-menores, mas, malgré tout, actor), as memórias são, mesmo, muitas! E a maioria lá está, depositada, nos recantos do tal sótão.
Ora, há uns tempos, num daqueles exercícios de narcisismo a que não consigo fugir de vez em quando, googlei-me e fui redescobrir algo que, há muito, enviara para o fundo do sótão: redescobri que tinha sido um dos sócios fundadores da associação de direitos humanos que dava pelo nome de CIVITAS.
Verdade se diga que essa associação surgiu pela iniciativa de duas pessoas, Helena Cidade Moura e Vítor Alves, que reuniram ao longo de vários meses na então sede do MDP (um partido desaparecido há cerca de vinte anos, a cuja comissão política Helena Cidade Moura e eu próprio pertencíamos; daí o facto de as reuniões se realizarem nesse espaço; Vítor Alves nada tinha a ver com o MDP, esclareça-se), na rua Coelho da Rocha, em Campo de Ourique, para dar corpo e alma ao projecto.
Juntamente com essas duas figuras impulsionadoras comparecia às reuniões um, então, jovem trintão, este yours truly. Apesar de há muito ser colega e amigo de Teresa Ferreira de Almeida Alves, mulher de Vítor Alves, só então tive o privilégio de o conhecer pessoalmente e de confirmar aquilo que havia percepcionado, que estava perante uma pessoa de uma rara gentileza e de profundas convicções que sempre manifestava com tranquilidade e decoro.
Creio ser justo afirmar que poucos, como Vítor Alves, simbolizam a generosidade que marcou aqueles primeiros passos da democracia em Portugal.
Agora, que ele descansa em paz, não posso deixar de recordar o que John Adams escreveu a Thomas Jefferson em Novembro de 1813: 'We are now explicitly agreed, in one important point, vizt. That "there is a natural Aristocracy among men; the grounds of which are Virtue and Talents."'
Portugal perdeu um dos raros aristocratas naturais que tive a fortuna de conhecer!

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