segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Laocoön


Laocoön, do escritor setecentista alemão Gotthold Ephraïm Lessing (1729-81), é um ensaio fundamental para a evolução que o diálogo entre a Literatura e as Artes visuais irá conhecer na modernidade inaugurada pelo Romantismo. O seu carácter incontornável deve-se, desde logo, ao facto de contrariar toda uma tradição da ekphrasis através da desmontagem de um equívoco, aquele que resulta da acima referida leitura descontextualizada do enunciado horaciano, “ut pictura poesis”.

Hoje deixo-vos apenas este apontamento em torno do contexto.

O discurso de Lessing deve ser entendido no confronto com Johann Joachim Winckelmann (1717-1768), autor de Geschichte der Kunst des Altertums (História da Arte da Antiguidade), uma obra datada de 1764. No prefácio desta obra Winckelmann declara o seguinte: “A História da Arte … que ofereço ao público não é uma simples narração cronológica das revoluções vividas pelos antigos. Utilizo a palavra na acepção mais lata que ela tem na língua grega, sendo objectivo meu oferecer um resumo histórico de um sistema de arte.” (Lichtenstein, 1997: 226, tradução minha)
Com efeito, a sua História preenche um certo vazio a este nível; refira-se que Plínio era, ainda, a fonte primeira do conhecimento da arte clássica. Tal não significa, porém, que esse conhecimento se restringisse às fontes tradicionais. Descobertas arqueológicas, como a da estátua conhecida como Laocoonte, cuja memória e conhecimento se deviam exclusivamente ao texto, tinham passado a constituir um novo elemento de estudo do passado.
A par da redescoberta de todo um universo artístico, cultural e social, proporcionada pelo contacto directo com artefactos vindos à luz do dia, surgia uma entidade com um estatuto particular, o “antiquário”.
A esta profissão, estritamente ligada a esse mundo emergente, está associado um conceito específico, o de especialização.
Por fim, importa ter presente que a História da Arte que, durante o Renascimento, e salvo excepções como Dürer, se centrara fundamentalmente em Itália, adquirira entretanto uma dimensão europeia e cosmopolita. É, também, neste contexto que surge o “antiquário”, entidade possuidora de uma erudição específica, centrada em objectos ou sistemas particulares.

Vivendo numa época de reformulação de conhecimentos e de aparecimento de novas disciplinas, a obra de Winckelmann revela uma intenção especulativa e sistemática que deverá, naturalmente, ser entendida no âmbito da informação então disponível. A sua perspectiva é diacrónica, dando ênfase a um processo de afirmação, apogeu e decadência, ao qual, por seu turno, se associa uma narrativa, a da afirmação de um ideal civilizacional representado pela Grécia antiga.
O ideal estético que lhe subjaz é, obviamente, neoclássico, sustentando uma evidente estrutura piramidal, uma hierarquia de valores e funções; desta hierarquia participam, com funções determinadas e limites decorrentes dos meios a elas inerentes, as diferentes formas de expressão artística.
Ainda no âmbito de uma concepção profundamente hierarquizada, Winckelmann defende o primado da escultura sobre a pintura, ao qual atribui razões históricas e estéticas: a perfeição da escultura precede a da pintura; além disso, ainda de acordo com esta perspectiva, devedora, recorde-se, do neoplatonismo, a escultura encarnará o belo ideal.

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