quinta-feira, 9 de junho de 2011

A propósito de "Inveja"


escreveu Pedro Teixeira das Neves o que em seguida transcrevo:


A inveja, tal como a poesia, bem poderia dizer-se ser apanágio português. Não sei se seria exagero chegar ao ponto de dizer que somos um país de invejosos, mas que por aí muito poeta na matéria abunda, parece ser bem provável. Pelo menos é o que em parte ressalta da leitura do mais recente romance de Mário Avelar, justamente de sua graça «Inveja». É um livro muito curioso, muito bem escrito, muito bem-disposto ou irónico, muito interessante e, de certa forma, corajoso. Sim, porque não é todos os dias que somos capazes de nos ver ao espelho! Sobretudo para nele vermos os nossos defeitos. No caso, a inveja, pecado que, lido o romance, assaz praticamos sem que inferno algum nos pareça ferver o suficiente para nos assustar ao ponto de nos redimirmos em sãos comportamentos conforme a uma qualquer moral. Ora bem, posto isto, a história: tudo se passa em cerca de meia-hora, o tempo qb para uma investidura ou uma tomada de posse (e muitas pomadas para a tosse, diria O’Neill…). Situemo-nos: um palacete alfacinha no qual o respeitoso Instituto Camões procede à supracitada investidura de um novo presidente. Que presidente? – eis a questão, fundamental, de resto. Isto porque Francisco Villa-Verde, outrora Vila apenas com um l, outrora também mais conhecido pelo nome de guerra Xico-Xicão, escapa, pelo seu passado “errante”, aos trâmites do que é normal decorrer no âmbito académico em matéria de progressão profissional e social. Na verdade, Francisco, aos olhos dos seus pares invejosos, não é detentor de predicados curriculares dignos de lembrança. Ora é durante o rame-rame burocrático da tomada de posse, que, entre olhares e pensamentos cruzados que vagueiam pelos circunstantes ao acto, que se vai delinear um quadro histórico do país, morais e costumes, ao longo das últimas décadas. Verdadeira crónica de costumes, aos nossos olhos perpassa um cortejo de figuras, figurantes e figurões que bem atestam o país de onde viemos e que hoje somos. E, sobretudo, que bem atesta o meio comezinho, intriguista, interesseiro, de pose e parecença, que é aquele dos movediços corredores de poder nas mais variadas áreas da sociedade, da política à cultural. Jocoso, sarcástico, irónico, este romance de Mário Avelar assume diversas qualidades, entre elas a coragem de pôr tudo isto a nu, sobretudo num meio literário como o nosso em que um estranho apelo pelo cinzentismo auto-contemplatório parece fazer submergir a generalidade das almas criativas. «Chega de Saudade», apetece por vezes dizer ao país de poetas cuja literatura parece ter desaprendido o riso. Valham as excepções, como esta. Mas atenção, não nos enganemos: o riso é uma arma. E aqui, por via do humor, fala-se a sério de muitas coisas sobre as quais seriamente devíamos pensar ou que nos deviam deixar a pensar a sério!


Se já fiz referência a este texto, aceitai o equívoco como um sinal de degenerescência neurológica (velhice, jamais!)...

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