quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Recordar o perdão para compreender "Measure for Measure"





é o que propõe o Professor R. W. Chambers num ensaio escrito no já distante ano de 1937, contrapondo à asserção de Coleridge (na qual o nosso ethos se pode rever, diga-se), uma outra do Padre Brown, personagem de Chesterton.
Deixo-vos as palavras do Professor, acompanhadas de duas "leituras" visuais de Mariana:

"... Isabel is conscious that, however innocently, she herself has been the cause of Angelo's fall:
'I partly think
A due sincerity govern'd his deeds,
Till he did look on me; since it is so,
Let him not die.'
And Angelo is penitent. There can be no doubt what the words of the Sermon on the Mount demand: 'Judge not, and ye shall not be judged.' That had been Isabel's plea for Claudio. It is a test for her sincerity, if she can put forward a plea for mercy for her dearest foe, as well as for him whom she dearly loves.
Criticism of Measure for Measure, from Coleridge downwards, has amounted to this: 'There is a limit to human charity.' 'There is,' says Chesterton's Father Brown, 'and that is the real difference between human charity and Christian charity,' Isabel had said the same:
'O, think on that;
And mercy then will breathe within your lips
Like man new made.'
Shakespeare has so manipulated the story as to make it en in Isabel showing more than human charity to Angelo, whilst at the same time he has avoided, by the introduction of Mariana, the error, which he found in his crude original, of wedding Isabel to Angelo."
A meditar...

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Ler Shakespeare para melhor compreender "o hoje"



é a inevitabilidade que sinto ao reler (treler, quadriler, talvez, devido a um projecto - como hoje se diz - em que estou a trabalhar desde há algum tempo) Shakespeare, The Thinker, the Tony Nuttall [não confundir com narrativas dos Joy Division].
Ei-lo a propósito do absolutismo, de Charles I e de Richard II, com a devida convocação de Margaret Thatcher e de Tony Blair (podeis também ter em mente gente mais próxima de nós no espaço e no tempo):
"... in the sixteenth century monarchies increasingly freed themselves of ultimate dependence on the consenting will of the people in the great drift towards absolutism (an absolutism that was perhaps anticipated, momentarily and freakishly, by the real Richard II). This movement reached its climax after Shakespeare's death in the divine right of kings asserted by Charles I. The string gradually until it snapped; Charles died on the scaffold. In my lifetime I have watched the governments of Margaret Thatcher and Tony Blair edge, inch by inch, away from parliamentary democracy towards a less fettered exercise of power. Sometimes the people themselves seem simply to lose interest; the day may yet come when hardly anyone will want to vote any more. One Karl Popper's "paradoxes of democracy" was conveyed by the question, "What is one to do when the demos, the people, freely decides to resign its power to a despot?" When I first encountered this question I saw it as the bizarre thought-experiment of a closeted theoretician, despite Popper's insistence that such things had really happened. Then, on a day when I was wandering round the Reichstag in Berlin it dawned on me that there was a day in the twentieth-century European society history when a society did exactly this."
Para quem, como eu, se delicia a reler Shakespeare com a ajuda de Harold Bloom, então não deve perder este livro que há quatro anos tanta polémica gerou, e que levou o próprio Bloom a exclamar: "Tony Nuttall is my hero!"
Mine too!
Boa semana!
Boas leituras!

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

João Barrento, "O Género Intranquilo"



Deixo-vos estas palavras iniciais de um texto meu sobre o livro de ensaios de João Barrento que acabou de ser publicado na Colóquio Letras. Espero que vos aguce o apetite:

Numa reflexão sobre a obra de Llansol, Silvina Rodrigues Lopes menciona “o [seu] olhar errante” que “paira numa zona de penumbra”, lugar onde o sentido se insinua. 1 Errância do olhar que se justapõe ao de uma escrita que não se confina a uma circunstância textual (género) ou a uma irremediável distância face ao sujeito. Algo de idêntico ocorre na “errância da vida” de Else Lasker-Schüler 2. Também neste caso a escrita participa radicalmente de uma busca de sentido que se con-funde com a experiência criativa.
Enquanto escrevia Finisterra: paisagem e povoamento, Carlos de Oliveira foi produzindo reflexões suscitadas pelo processo de escrita. Numa delas, cita a '[p]rimeira experiência: dar o dom de fala aos grãos de areia que tenho sobre a mesa.' Do acaso do lugar, de peculiares e irrepetíveis acidentes de luz, emerge uma voz. A experiência autobiográfica con-funde-se com o processo de escrita que cria uma vida própria, na qual ele se revela.
Creio ser esta a inevitável realidade (experiência) que subjaz a O Género Intranquilo – anatomia do ensaio e do fragmento, e que levou João Barrento a designar “Geografias do acaso” o texto inicial da primeira parte do livro, onde apresenta um “Ensaio geral do ensaio.” Nele, escreve, '[a]rrumo os fragmentos segundo uma ordem possível ... tento um princípio organizativo que evidencie a progressão da experiência' (p. 15). O ensaio exibe-se enquanto processo, exercício em construção, decorrente das singularidades do(s) lugar(es) e do tempo: “geografias” denuncia quão nuclear é a circunstância do lugar, e “acaso”, quão nuclear é a circunstância do tempo (da experiência, da escrita). “Geografias” induz a singularidade – o recurso ao plural denega uma universalidade; “acaso” esclarece que este não um tempo pré-determinado mas sim acidental. Estamos, portanto, perante uma realidade determinada por uma categoria operatória moderna.
Ao intitular este livro Género Intranquilo, JB convoca, subliminarmente, essa mesma modernidade.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Atenção, os Artistas Unidos


passarão a estar sediados na Rua da Escola Politécnica Politécnica, junto ao jardim botânico, no Teatro da Politécnica. O grupo foi criado em 1995 por uma figura ímpar da nossa cultura contemporânea, Jorge de Silva Melo. A ele se devem, recorde-se, momentos inesquecíveis junto de Luís Miguel Cintra, no Teatro do Bairro Alto.
Parafraseando uma canção dos The Byrds, posso dizer que, "embora não o conheça, ele é meu amigo."
A Universidade de Lisboa – honra lhe seja feita, o Ministério da Cultura (ou Secretaria de Estado?) e a (inevitável) Fundação Gulbenkian, contribuíram para esta nova fase dos Artistas Unidos.
A primeira obra a ser levada à cena será Não se brinca com o Amor, de Alfred de Musset.
Aqui fica, portanto, a chamada de atenção para este novo espaço em Lisboa.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Annus Maribilis



Não foi aquele de que fala o Philip Larkin, pois claro. Nessa altura eu era demasiado pequenito!
O meu "Annus maribilis" terá sido o de 1985.
Entre muitas outras coisas, descobri (vendo-a ao vivo) a Suzanne Vega.
Sobre ele (ano) escrevi este poema que, inevitavelmente, encerra com essa descoberta.
Está incluído em Cidades de Refúgio, publicado seis anos mais tarde. Intitulei-o "Herba Santa", em homenagem ao meu querido amigo Herman Melville.
Ei-lo:

"Associo melodias às estações,
a instantes mais ou
menos vagos na memória. O
Verão de oitenta e cinco, por exemplo.

Regressara nesse tempo da pátria
dos heróis. Os dias fluíam entre
a viagem de um amor vindo
de longe e um almoço fora de horas
num qualquer snack em Lisboa, cracking.

Com liberdade, livros, flores e
a lua, quem não pode ser feliz?

Sim, havia ainda os livros e
a música, o frágil encanto de
Suzanne Vega."

Boa semana!

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O que é que nos olha de frente?


José Tolentino Mendonça é, além de um poeta que muito aprecio e de uma voz amiga, alguém a cuja meditação partilhada estou sempre atento e que gosto de divulgar junto de quem comigo tem afinidades.
Este é um texto seu recentemente publicado no Diário de Notícias da Madeira que, como é habitual, se revela muito certeiro face aos tempos que correm.
Ei-lo:

A escuta, a vigilância, a atenção são ferramentas para uma viagem humana fecunda. Os Padres do deserto diziam: «O maior dos pecados é a distracção». Vivemos num mundo que nos atropela continuamente, pela quantidade e velocidade da informação. As imagens que vemos também nos obsidiam, aprisionam e devoram. Na sobreposição de discursos e factos, nem sempre somos capazes de contrariar a alienação. E depois: quantos dos nossos gestos não se tornaram, entretanto, meros automatismos! Quantas das nossas escolhas não se esvaziaram de conteúdo, cabendo-nos administrar apenas a forma! É assim que acontece que numa cultura marcada por um excesso de signos, vivamos mergulhados numa inesperada e dramática pobreza simbólica. De certa maneira, enfraqueceu-se a nossa capacidade de ver, e com isso perdemos o acesso a dimensões necessárias de profundidade. O verbo mais importante é o ver, diziam os gregos. E para ver não basta olhar, não basta deslocar a visão para o outro lado da janela. É preciso, como avisa Fernando Pessoa, «não ter filosofia nenhuma». Só uma atitude de desprendimento nos permite aceder à vigilância autêntica. E não esqueçamos: só um coração pobre vigia. Só um peregrino descobre. Só o olhar do que não tem defesas consegue colher, no instante, a verdadeira presença.

Escreve o místico Silesius:: «a rosa é sem porquê, floresce porque floresce, não cuida de si própria, não pergunta se a vemos». Quando se diz ‘a rosa é sem porquê’, ou ‘a rosa é de ninguém’, propomo-nos investir num modo de construir o real que já não passa por sermos predadores e o real ser uma presa que vamos dominar ou domesticar. Entramos num espaço não já de predadores e presas, mas de vigilantes, de contemplativos, de operadores do assombro.
Vigiar é colocar-se na disponibilidade para a surpresa, para aquilo que vem, tendo consciência que o fundamental da vida não é o que adquirimos, o que fizemos, o que de alguma maneira dominámos, mas sim a incessante prática da hospitalidade. Toda a música que ouvimos, nos preparou, no fundo, para o ato da escuta. Todos os textos que estudamos, toda a poesia que lemos nos prepararam melhor para o ato da leitura. Toda a relação em que investimos, todo o afecto que partilhámos, todo o amor com que amámos, preparam-nos para o ato simples de amar. A vigilância é isso. Não está no apego ao mapa, mas no amor pela viagem. Temos mesmo de deixar a zona de conforto dos mapas para nos tornarmos viajantes, enamorados, vigilantes, sentinelas. Dir-se-ia que a vida nos pede uma escuta que atravesse o tempo, que perfure os séculos, que transcenda a paisagem, sintonizando com aquilo que verdadeiramente temos diante de nós. E, por isso, temo-nos de perguntar muitas vezes, pela vida fora: Qual é a nossa fronteira? O que é que nos olha de frente? O que trazemos diante de nós?


Como é hábito, elidi os sinais do acordo ortográfico!

Continuação de boa semana!

terça-feira, 5 de julho de 2011

Ser humano: duas perspectivas em confronto nos tempos que são os nossos


O olhar de Frei Bento Domingues. Algo que se projecta no nosso dia-a-dia; nas medidas dos governantes (em sentido lato, não só a nível central, mas em cada local de trabalho); nas acções de cada um de nós.
O respeito pela alteridade, como é óbvio.
E que passa por compreendermos, desde logo, que nós próprios, cada um de nós, é alteridade.
A meditar:
Na base de qualquer reflexão sobre uma sociedade justa e uma vida de qualidade, está implícita uma concepção do ser humano. Hoje, confrontam-se, pelo menos, duas perspectivas: uma visão utilitarista que encara o ser humano como um ser solitário que só procura o seu interesse e o seu prazer individual e vê a sociedade como uma justaposição de indivíduos; uma outra vê o ser humano como um ser social, a sua felicidade é construída com os outros e não à custa deles e em seu prejuízo. Estas duas maneiras de ver, que coabitam na sociedade, comandam a nossa abordagem dos problemas que a afectam. Para viver em conjunto, é preciso encontrar a melhor articulação possível entre o individual e o colectivo. Isso implica um reequilíbrio constante entre interesses, muitas vezes, contraditórios. Este reequilíbrio não será feito da mesma maneira, se é privilegiada a visão utilitarista ou a visão relacional .
Sempre que votamos, que optamos por alguém, em qualquer circunstância, é, talvez, acima de tudo, isto que está em causa.
Mais vale estar atentos hoje, do que lamentar amanhã.
Até breve!