quarta-feira, 28 de setembro de 2016

De novo as eleições americanas (outro texto do DN)

Ao deambular pelas ruas de Florença, a escritora americana Mary McCarthy ficou impressionada com as fachadas dos palácios florentinos que, segundo ela, mais faziam lembrar fortalezas ou masmorras. Acima de tudo, era a ausência de hospitalidade que elas pareciam denunciar. Sensivelmente na mesma altura, o antropólogo inglês Geoffrey Gorer assinalava o facto de, nas habitações americanas, tudo estar sujeito ao escrutínio exterior: nem sebes, nem muros, nem portões separam a casa da rua. E acrescentava algo de interessante, estes edifícios são exemplos vibrantes dessa integridade transparente que os americanos gostam de pensar ser a sua característica mais meritória. Eis-nos, portanto, face àquelas que seriam duas posturas distintas, a europeia e a americana. A transparência exibida pela arquitectura, sinalizaria, afinal, um traço de carácter: a sinceridade. Daí o culto de uma ética da informalidade, da espontaneidade, do tratamento pelo nome próprio, da expressão pública dos sentimentos, algo a que Trump tem sistematicamente recorrido. Se Hillary Clinton não estiver atenta a este aspecto neste momento crucial; se preferir esconder a sua realidade por detrás de uma fachada semelhante à de um palácio florentino, em vez de, literalmente, revelar a sua verdadeira radiografia clínica, e assim desmontar as dúvidas que se têm colocado, então provavelmente estará a hipotecar o seu futuro. Longes vão os tempos em que se conseguia ocultar a fragilidade física do Presidente Kennedy, ou o declínio mental do Presidente Reagan.

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