terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Dicionário dos lugares imaginários

O Jornal de Letras publicou um dossier sobre a tradução desta obra. Além da entrevista a um dos autores, surgem contributos de escritores/académicos portugueses, entre os quais o meu. Foi-nos pedido que escolhessemos um lugar imaginário estrangeiro e um português. As minhas escolhas recaíram em Ecotopia, o romance de Ernest Callenbach (embora o meu coração tivesse oscilado com o número 221 B de Baker Street!), e A Torre da Barbela, de Ruben A. Aqui vos deixo as minhas escolhas: Ecotopia – Em 1981, uma guerra de secessão leva à separação da Califórnia, de Washington e do Oregon dos Estados Unidos da América. No novo país que dá pelo nome de Ecotopia , e que, segundo Joel Barlow, faz fronteira com os loci culturais Mexamerica e Empty Quarter (por nós conhecido por Midwest), predomina uma sociedade onde ecologia, socialismo (devedor da Revolução Cultural Chinesa) e feminismo convergem para dar corpo à desejada utopia. Ernest Callenbach descreve da seguinte forma os seus habitantes: … muitos ecotopianos assemelhavam-se aos antigos habitantes do Oeste … como se fossem personagens da Corrida ao Ouro renascidas … frequentemente estranhas, mas não com um ar louco ou sórdido como o dos hippies dos anos sessenta. Por seu turno, a concepção do espaço urbano evoca alguns dos momentos mais visionários de Hundertwasser; veja-se Market Street em S. Francisco: Nesta avenida principal podem-se ver séries de pequenas e encantadoras cascatas, com água caindo, e canais com pedras, árvores bambus, sebes. Afinal, onde se poderia pensar a utopia na América, senão sempre mais a Oeste? (Ernest Callenbach, Ecotopia, 1975; Joel Barlow, The Nine Nations of North America, 1981) A Torre da Barbela – Dir-se-á que o lugar efectivamente existe. Comprová-lo-ão as peregrinações dos amigos de Ruben, às quais não terão faltado as devidas e peculiares assombrações, como um dia relatou Guilherme d’Oliveira Martins. Mas nem elas puderam testemunhar os animados encontros que, ao cair da noite, animam o outrora próspero condado da Barbela; recorde-se que [n]a embaixada que D. Manuel mandou ao papa Leão X ia a carroça típica, carregada das especialidades do condado da Barbela… Quando emergem as personagens que, ao longo dos séculos testemunharam a nossa História, de imediato reconhecemos a nossa identidade: a nostalgia que irremediavelmente nos prende a um passado perdido e que faz com que … as pessoas fal[e]m todas da véspera…; o nosso reconhecido impulso para o improviso (Nós improvisamos e aí é que somos geniais.); a reiterada incapacidade de reconhecer a nossa verdadeira dimensão (… Notre-Dâme, um pouco maior que a da Moutosa onde havia sermões de sete horas sem interrupção.); uma sensibilidade que nos torna, reconheça-se, fascinantes e que se projecta nesses … versos simples que atravessam a história cantando um lirismo tranquilo e saudoso. Tudo isso Ruben A. viu e descreveu com superior sentido de humor nesta obra que continua a ser um dos mais belos auto-retratos deste lugar em que vivemos e daquilo que somos. (Ruben A. A Torre da Barbela, 1964)

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