quarta-feira, 21 de setembro de 2011

João Barrento, "O Género Intranquilo"



Deixo-vos estas palavras iniciais de um texto meu sobre o livro de ensaios de João Barrento que acabou de ser publicado na Colóquio Letras. Espero que vos aguce o apetite:

Numa reflexão sobre a obra de Llansol, Silvina Rodrigues Lopes menciona “o [seu] olhar errante” que “paira numa zona de penumbra”, lugar onde o sentido se insinua. 1 Errância do olhar que se justapõe ao de uma escrita que não se confina a uma circunstância textual (género) ou a uma irremediável distância face ao sujeito. Algo de idêntico ocorre na “errância da vida” de Else Lasker-Schüler 2. Também neste caso a escrita participa radicalmente de uma busca de sentido que se con-funde com a experiência criativa.
Enquanto escrevia Finisterra: paisagem e povoamento, Carlos de Oliveira foi produzindo reflexões suscitadas pelo processo de escrita. Numa delas, cita a '[p]rimeira experiência: dar o dom de fala aos grãos de areia que tenho sobre a mesa.' Do acaso do lugar, de peculiares e irrepetíveis acidentes de luz, emerge uma voz. A experiência autobiográfica con-funde-se com o processo de escrita que cria uma vida própria, na qual ele se revela.
Creio ser esta a inevitável realidade (experiência) que subjaz a O Género Intranquilo – anatomia do ensaio e do fragmento, e que levou João Barrento a designar “Geografias do acaso” o texto inicial da primeira parte do livro, onde apresenta um “Ensaio geral do ensaio.” Nele, escreve, '[a]rrumo os fragmentos segundo uma ordem possível ... tento um princípio organizativo que evidencie a progressão da experiência' (p. 15). O ensaio exibe-se enquanto processo, exercício em construção, decorrente das singularidades do(s) lugar(es) e do tempo: “geografias” denuncia quão nuclear é a circunstância do lugar, e “acaso”, quão nuclear é a circunstância do tempo (da experiência, da escrita). “Geografias” induz a singularidade – o recurso ao plural denega uma universalidade; “acaso” esclarece que este não um tempo pré-determinado mas sim acidental. Estamos, portanto, perante uma realidade determinada por uma categoria operatória moderna.
Ao intitular este livro Género Intranquilo, JB convoca, subliminarmente, essa mesma modernidade.

1 comentário:

  1. na linha de notáveis pensadores e ensaístas portugueses, João Barrento convence pela autoridade no tema e por uma feliz opção de interlocução: cativa o leitor desde a primeira linha!

    curiosidade, sim, pela opinião e pelo próximo número da Colóquio...

    ;_)))

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