sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
O primeiro volume da biografia de Mark Twain
foi recentemente publicado.
Cem anos após a morte do autor.
Com os votos de um bom fim de semana, deixo-vos as linhas iniciais do texto que escrevi para o JL, esperando que vos estimule a ler as restantes:
Quem não se lembra de Clarence, o simpático e algo desajeitado anjo de Do céu caiu uma estrela, de Frank Capra?
Quando foi chamado à presença de Deus para ser incumbido da missão que lhe concederia as asas, pelas quais esperava há duzentos anos, Clarence estava a ler... As aventuras de Tom Sawyer. Será este livro que, no final do filme, o protagonista, George Bailey (Jimmy Stewart), irá encontrar entre as muitas notas que os amigos reuniram para o salvar. Clarence deixara aí o livro com uma dedicatória: “Querido George, lembra-te de que nenhum homem com amigos é um falhado. Obrigado pelas asas..., Clarence.”
Afinal, Frank Capra, o mais americano dos realizadores, teria de escolher o mais americano dos romances.
Com efeito, se, na poesia, Walt Whitman incorpora uma atitude e uma sensibilidade emblemáticas da jovem nação, poucos duvidarão que Mark Twain, e as suas celebradas criações – os jovens irreverentes, inocentes e livres Tom Sawyer e Huck Finn , reclamam esse estatuto na prosa.
Nascido numa época em que a Fronteira era uma realidade em aberto, Samuel Clemens/Mark Twain irá viver alguns dos momentos mais significativos da construção da identidade (histórica e mítica) americana: para além da experiência da Fronteira e o quotidiano no Oeste (secretário do governador do Nevada e jornalista em São Francisco), a emergência do conceito de Destino Manifesto (que, na sequência do imaginário e da retórica calvinistas, atribui à América um estatuto messiânico, ainda hoje reconhecível em certos discursos políticos), a corrida ao ouro, a construção do caminho de ferro transcontinental, a Guerra Civil, o assassinato de Lincoln, a chamada Idade Dourada (que ele toma como cenário para The Gilded Age), a crise económica, política e ética que se lhe seguiu (por ele satirizada em “O homem que corrompeu Hadleyburg”1), e a Era Progressiva, corporizada nessa figura singular que foi Theodore Roosevelt e que tanto contribuiu para a elevação do cowboy a uma dimensão mítica e para a sua incorporação no imaginário americano moderno (apesar da simpatia que Twain por ele nutria, Roosevelt não escaparia ao seu registo mordaz).
Tanto a mencionada actividade como jornalista, como o contacto que desde cedo manteve com as elites políticas e culturais do seu país, fizeram de Twain um intérprete único desse relevante segmento da História americana no qual a modernidade dá os primeiros passos.
Sendo ele um espectador e actor privilegiado desses tempos, e possuidor de uma mordaz ironia, não será de estranhar que o início da publicação da sua autobiografia tenha sido aguardado com tanta expectativa, em particular porque decorreram cem anos desde a data da sua morte.
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