terça-feira, 19 de abril de 2011
De que forma falaria hoje Jesus da nossa sociedade?
Responde José Tolentino Mendonça:
Jesus levar-nos-ia de novo para a beira do lago, ao deserto, ao rio Jordão. Entraria nas nossas casas e falaria uma palavra que nos tocaria e comoveria o coração.
A sua palavra é sempre alternativa. A voz de Jesus não é mais uma. Não é uma voz que nos confirma, que diz “está tudo bem”, mas é uma voz que não se conforma. Jesus é um inconformista e por isso leva-nos sempre para a margem.
A palavra e a experiência cristã deslocam-nos para fora do rebanho, para fora das nossas certezas e daquilo que está estabelecido. Ou então é uma palavra que nos leva para dentro, nos reaproxima, estabelece connosco de novo uma intimidade. E aí, Jesus é capaz de tocar por dentro o nosso coração.
sexta-feira, 15 de abril de 2011
Deixo-vos um poema
inédito, lido ontem à tarde na mesa-redonda.
Já agora, os versos em italiano são do Eugenio Montale.
Bom fim de semana!
Algures no silêncio, uma
palavra secreta me foi confiada.
O lugar parecia deserto, a hora adiantada,
a noite avançada. O dia aproximava-se,
e o teu sono era sinal de um mistério…
Forse non ho altra prova che Dio mi vede e che
le tue pupille d’acquamarina parlano per lui.
Em teu rosto, a variedade e a suavidade da luz
e de todas as cores.
Nele, o amplexo sem fim excedendo
teus braços,
todos os teus beijos.
O amplexo
desvendado por uma
luz mais suave que a do sol e
a das estrelas,
na língua que os anjos e as almas
falam entre si.
De novo a sombra se estendeu sobre ti.
Entrou no quarto mais secreto
por um caminho, por certo, estreito, mas real, seguro.
Não era a carne nem o sangue que te revelava
mas sim a sombra
iluminando as tuas pálpebras,
o teu rosto.
Fazia-me ver a fraqueza do meu olhar,
suavizava para os meus olhos doentes
o brilho da sua luz,
a luz que nasce da luz.
Nele procurei o silêncio e o retiro,
para sempre lugar
do meu repouso.
É ele que te planta no mar.
quinta-feira, 14 de abril de 2011
Bíblia e poesia
A Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, prossegue hoje um ciclo de conversas intitulado “A Bíblia, coisa curiosa: novos olhares sobre um livro de sempre”. A sessão, com entrada livre, decorre das 18h00 às 20h00.
O tema hoje será Os Poetas abrem a Bíblia
A mesa-redonda, com os poetas Adília Lopes, Armando Silva Carvalho, Pedro Braga Falcão e eu próprio, terá como moderador José Tolentino Mendonça.
A propósito deixo-vos alguns versos, não de Cidades de Refúgio (capa ao lado), mas de Seduções do Infante.
Meditação 1
Eclesiástico 34.3 O espelho e o sonho podem-se comparar: diante de um rosto está a imagem de um rosto.
Seduções do infante: a campânula
"Amanhece, a vaga luminosidade
percorre o vale fazendo cintilar
a geada; a nitidez domina o
lugar... Dissipa-se a névoa. O manto
alvo, alvo, quase parece cegar.
Alba, onde fontes não haviam secado.
A vila, cercada de seus montes e muros.
E por esses muros passearíamos,
amor, em ti crescendo o luar: a era
do peixe. ..."
sexta-feira, 8 de abril de 2011
Liberdade
é o título do mais recente, e aclamado, romance de Jonathan Franzen. A última edição do Jornal de Letras (aqui em cima com o retrato de Sotto de Moura) dedica-lhe um dossier. Nele encontrareis um texto meu a propósito do romance, e vários apontamentos de colegas e amigos sobre os seus cinco romances americanos. Os depoimentos de Teresa Cid, Diana Almeida e Carlos Borges de Azevedo iluminam percepções distintas das tradições romanescas existentes neste universo literário, ao mesmo tempo que nos deixam antever percursos para a leitura dessa realidade tão heterogénea.
A não perder!
Bom fim de semana!
Frase da semana
quinta-feira, 7 de abril de 2011
De Moisés a Laginha
Segundo São Tiago de Sarug (c. 449-521), monge e bispo sírio, "Moisés enunciou os mistérios, mas sem os explicar. Com efeito, ele tinha dificuldade em falar e não conseguia exprimir-se claramente (Ex 4, 10). Esta dificuldade em falar foi-lhe conservada como desígnio, para que todos os seus discursos permanecessem inexplicados."
Há dias Mário Laginha brincava com a sua gaguez aquando do concerto no S. Luís em que apresentou o seu mais recente cd, Mongrel. Que talento é coisa que não lhe falta, é, para mim, mais do que evidente. A sua releitura de Chopin é sublime. Como sublimes são os outros integrantes do trio, Bernardo Moreira no contrabaixo e Alexandre Frazão na bateria.
Quem gosta de jazz, não deve perder.
Eu, cá por estes lados, enquanto trabalhava, na segunda-feira, ouvi-o quatro vezes seguidas.
Pode não ser profeta, aliás, podem não ser profetas, mas elevam-nos para outra dimensão.
George Steiner fala desse poder que a música tem de nos fazer descobrir dimensões que estão para além da palavra.
É um mistério, portanto; e um desígnio, também.
Viva o Laginha Trio! Esta é a palavra de ordem para o momento!
Já agora, esclarece a venerável Wikipedia:
Mongrel refers to mixed ancestry:
In botany, a mongrel may refer to the offspring of varieties of a species which was in contrast to a hybrid
Among pets, one whose parentage is of unknown or mixed breeds as opposed to purebred
Among humans, mongrel and mongrelize are derogatory terms for the mixing of races, known as miscegenation
sábado, 2 de abril de 2011
Ainda os tempos tumultuosos
Deixo-vos o início de um texto de Anselmo Borges que podereis (devereis), ler na íntegra, no Diário de Notícias, de hoje. Podereis vê-lo na edição online. Eis o início:
O que São Basílio Magno (séc. IV) escreveu sobre a usura é temível: "Os cães, quando recebem algo, ficam mansos; mas o usurário, quando embolsa o seu dinheiro, irrita-se tremendamente. Não cessa de ladrar, pedindo sempre mais... Mal recebeu o dinheiro e já está a pedir o dinheiro do mês em curso. E este dinheiro emprestado gera mal atrás de mal, e assim até ao infinito."
Bom fim de semana!
Em tempos tumultuosos
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