quinta-feira, 30 de junho de 2016
Perceber como não nos percebem (ou uma leitura de “O Nascimento de uma Nação” de Mário Avelar - sem Playmobil incluído) - parte II
Texto da autoria de Tiago Cavaco:
"Não é possível querer ser um evangélico português com alguma capacidade de auto-reflexão sem perceber de puritanismo. E com isto não sugiro que temos de ter diplomas em história da religião para sermos competentes no exercício da nossa fé (o que nos torna competentes no exercício da nossa fé é o Espírito Santo). Simplesmente limito-me a reconhecer o óbvio, que é perceber um pouco do passado para termos a ideia que as coisas não caíram dos ceús aos trambolhões. Ao contrário do que hoje acontece em largas regiões do evangelicalismo, a fé reformada nunca sugeriu desligar-se da história para viver um cristianismo mais puro (como se os outros que nos antecederam fossem uns ímpios, e nós fôssemos uns iluminados). Logo, o desafio para um cristão evangélico português é assumir humildemente que viver a sua fé com profundidade pode passar por reconhecer as origens estrangeiras da tradição religiosa a que pertencemos.
Frequentemente os cristãos evangélicos portugueses são como adolescentes em busca da sua personalidade, convictos de que quanto mais diferentes forem dos progenitores, melhor. Por isso mesmo, um dos sonhos teen típicos dos cristãos evangélicos portugueses é o de um cristianismo evangélico tipicamente português. Desculpem colocar as coisas de uma forma tão radical, mas no dia em que descobrirem um cristianismo evangélico português avisem-me que emigro para Espanha. Mantendo ainda as coisas em termos curtos e grossos: se queres um cristianismo tipicamente português, ele já existe há mais tempo que existe Portugal e chama-se catolicismo romano. Evangélicos adolescentes: enxerguem-se e cresçam.
Ser um cristão evangélico português com uma relação saudável com a sua fé é viver em harmonia com o facto de se pertencer a uma tradição religiosa que é sobretudo de travo anglo-saxónico. Com se diz lá nas terras deles: deal with it. Isso quer dizer que somos obrigados a piorar o sentimento de estranheza que a maior parte dos portugueses tem connosco? De modo algum. Simplesmente quer dizer que estamos em paz com o factor mais importante da nossa fé não ser o conforto que sentimos com a história da nossa tradição religiosa, e quer dizer que estamos em paz com o facto da nossa tradição religiosa ter efectivamente uma história pouco ou nada portuguesa. Gente adulta tende a saber viver conciliada com a sua história. Sim, somos estrangeirados - e daí?
Logo, esta minha longa queixa é apenas para vos dizer que às vezes o melhor modo de percebermos quão abençoadamente esquisitos podemos ser é ler essa esquisitice na pena de outros. Ora, ler o Mário Avelar falando sobre literatura americana é perceber que não há Estados Unidos da América sem os puritanos. Um evangélico português que lê o Mário Avelar é ajudado a perceber que aquilo que faz dele esquisito em Portugal, é o que faz com que os Estados Unidos sejam os Estados Unidos. Com isto não estou a dizer que os Estados Unidos são uma nação evangélica, mas estou a apenas (a ser mais um) a dizer que os Estados Unidos são uma nação nuclearmente influenciada pelos puritanos. Por outro lado, um português não-evangélico que lê o Mário Avelar acaba, ainda que por tabela, a receber uma lição sobre os evangélicos que também existem no seu país. Todos ficam a ganhar lendo o Mário Avelar (perdoem-me a quadrinha).
(Continua.)
[Ontem o Marcos Mateus comentava o meu texto alertando que outras denominações evangélicas em Portugal foram fruto do trabalho missionário de outros países, como a Escócia e a Inglaterra no caso das chamadas Igrejas dos Irmãos, e não dos Estados Unidos. Sem dúvida. Podíamos também mencionar os suecos e as Assembleias de Deus, para termos mais um exemplo (ou os suíços e a Acção Bíblica, e por aí fora). O ponto fundamental da minha argumentação não contesta as origens missionárias de outros países. O ponto fundamental da minha argumentação, e que será mais visível na terceira e última parte deste texto é que, mesmo quando a influência missionária protestante não foi directamente americana, a cultura evangélica que é recebida e desenvolvida em Portugal é decididamente influenciada pela cultura americana. Isto porque a cultura americana é nos Séculos XIX e XX (e sobretudo XX) aquela que representa o lugar onde o movimento evangélico, ainda que tendo manifestações plurais pelo mundo fora, foi mais fértil e capaz de ser exportado para outros lugares.]"
terça-feira, 14 de junho de 2016
Palavras finais da minha intervenção
na segunda conferência da John Dos Passos Society, a propósito da iconografia em The Portugal Story: "... the visual syncretism of this shield somehow mirrors Portuguese attitude towards the Other and the tendency to miscegenation, to immersion and assimilation of alien cultures. We may be leaving today in the legacy of these narratives, of these galleries of heroes who in their deeds and in their cruelties helped building a specific presence in the world. In this post-modern hybrid text mixing subjective perceptions and History, fact and personal insight, narrative and collage, John Dos Passos seems to be finding his own legacy. This is the reason why, I think, he stopped telling his story when the Portuguese strategic agenda decreed that we should stop leaving. We kept on leaving but then there was no design, only an escape, the search for a better living."
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