quinta-feira, 13 de dezembro de 2018
Depois de ter acabado de ler
Fuck the Polis, lanço-me à leitura de Talvez escute Deus alguns poetas, de Karl-Josef Kuschel, o qual (confesso a ignorância) voz amiga assegura ser um dos mais prestigiados teólogos alemães. O livro, prefaciado por Steffen Dix e posfaciado por Teresa Bartolomei, foi apresentado ontem, ao final da tarde, por uma tríade de luxo: António M. Feijó, vice-reitor da Universidade de Lisboa, Peter Hanenberg e Alexandre Palma, professores, respectivamente, das Faculdades de Ciências Humanas e Teologia. Um final de tarde em cheio, posso assegurar-vos! Cito a partir do site da Pastoral da Cultura um breve excerto em torno da(s) problemática(s) suscitada(s) pela figura de Judas: "Analisando os livros cristãos primitivos, constatamos que a micronarrativa “traição de Judas” produziu quatro interpretações literárias distintas. Em cada versão podemos observar uma abordagem prospetiva a diferentes motivos para algo que parece ser abissal e para o qual não existe uma explicação plausível. A diversidade das narrativas dá a entender precisamente isso, bem como a crescente importância que lhe é atribuída a partir de Marcos, passando por Mateus e até João. Concretamente, porém, o “caso” Judas parece ser para todos um caso evidente. Houve um traidor pertencente ao círculo mais restrito que denunciou e entregou Jesus aos detentores do poder religioso. Esse traidor chama-se Judas. O motivo: a ganância. O carácter: hipócrita. Porque é que ele faz isso? Quais são os seus motivos? O mais tardar a partir de Lucas, os fiéis na comunidade cristã primitiva pensam saber que Judas se encontrava sob a influência de Satanás. Com isso, quaisquer outras explicações ou questionamentos tornam-se supérfluos. Harmonizando as diferentes fontes, obtemos uma imagem global: Judas atraiçoa o Filho de Deus por ganância sob influência satânica. A traição surge como particularmente infame porque Judas pertence ao círculo mais íntimo dos discípulos e porque esteve sentado à mesa com Jesus durante a “última ceia”. Particularmente hipócrita porque, nessa ocasião, Jesus ainda proferiu um aviso inequívoco dirigido ao traidor. “Mas ai daquele por intermédio de quem o filho da Humanidade é traído. Melhor seria para ele se não tivesse nascido esse homem” (Mt 26, 24). Mesmo assim… O beijo, o mais íntimo sinal de confiança entre duas pessoas, é aproveitado como sinal do engano, da dissimulação, da traição ao amigo. Isso irá caracterizar Judas para todo o sempre. Ele e todos os Judas da história. Não é pois de espantar que o fim de um tal homem tenha, forçosamente, de ser terrível. Em todo o caso, Mateus parece particularmente interessado em descrever ao pormenor a morte de Judas.
Um caso claro do Bem contra o Mal, de Deus contra Satanás, de que outra forma podíamos interpretá-lo? De facto, durante séculos a interpretação do caso deste Judas oriundo de Iscariotes pareceu concluída. Na história da teologia e da predicação cristã ele torna-se a figura de projeção do ódio a tudo quanto surge como mentira, engano e traição; na verdade, ele torna-se a própria negação do que é cristão, mobilizando o ódio a tudo o que parece conspirar contra o que é cristão, a começar pelos “judeus”. Judas, Jeduha, literalmente “o judeu”, torna-se assim na figura simbólica do povo dos traidores per se, para toda a eternidade responsável pelo assassínio do Cristo. Na figura simbólica para todos os defeitos de carácter atribuídos ao “judeu”: ganância, hipocrisia, mentira, traição…
Só no século XX os escritores questionam esta imagem, ousando formular uma leitura nova e diferente da história de Judas. Mas é a própria questionabilidade da história, evidente desde o início, que primeiro irá estimular a sua produtividade literária. Histórias demasiado evidentes são estéreis, as enigmáticas e contraditórias tornam-se literariamente férteis. E o drama Jesus-Judas não para de produzir interrogações e perplexidades. Será assim tão evidente, a história de Judas que a primitiva comunidade cristã nos lega? Ou não estará cheia de incoerências e contradições em relação a outros textos do mesmo Novo Testamento? Traição e enforcamento sabendo Jesus de tudo será isso compatível com a mensagem do Sermão da Montanha, do amor aos inimigos? Tendo constituído a ceia de despedida uma derradeira celebração do amor “em sua memória”, será possível que um dos companheiros de percurso mais íntimos possa cometer o seu ato vergonhoso, estando ele consciente de tudo? E os motivos de Judas, o seu carácter? Será plausível aquilo que nos é transmitido? Ter-nos-á sido transmitido tudo? Talvez tudo se tenha passado de uma forma completamente diferente. Poderá Judas ter atuado por outros motivos, que não esses, tão infames? E o aspeto metafísico? Se o Demónio está em jogo não é lançada também a questão da teodiceia? Ela teria de arder como uma ferida: porque é que Deus-Pai, na Sua justiça, permite que o seu Filho seja vítima da traição, da mentira, do engano? Finalmente, será possível transformar Judas de uma forma tão cruel no filho de Satanás, condenando-o ao inferno, sem interpelar Deus, o Justo? Consequência: as narrativas do Novo Testamento libertam agora, já não a nível interno, eclesiástico, mas externo, não cristão, uma nova dinâmica, capaz de produzir literatura. Aponto para dois exemplos: Walter Jens e Amos Oz." E agora, tendo cumprido a obrigação de partilhar convosco esta descoberta, fico por aqui, pois tenho este livro aqui ao lado a olhar para mim...
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