quinta-feira, 31 de março de 2011

Contra os neo-Werther, a importância do sorriso


Neste nosso mundo intelectual/artístico/literário quem não assume uma pose dolorosa, angustiada, rabugenta, qual Sisifo aflito das costas com o peso do mundo, ou qual Werther tardio, dificilmente poderá ser considerado part of the gang, como dizia o Williams a propósito do Wallace Stevens. Cá por mim, prefiro o sorriso do Maurice Quentin de la Tour aos velhos Werther. A propósito desse sorriso no seu auto-retrato, escreve Laura Cumming:
"... a portraitist for whom the life and soul of human being, and most especially himself, are quite naturally expressed in the smile. La Tour has no qualms about smiling, never worries that it might be thought frivolous or conceited. Where other artists make heavy weather of portraying themselves, he takes the task lightly and seems to have produced more glad-faced self-portraits than any other artist." (in A Face to the World, p. 159)

Aqui vos deixo o tal auto-retrato... sempre, sempre ao lado do... La Tour, com um abraço para o Nicolau!

Estrangeiros somos


Uma meditação de Alfredo Teixeira:
'Vivemos o tempo do «estrangeiro». Não me refiro apenas à mobilidade que se descreve na geografia humana. Refiro-me àquela que se declina nos itinerários de recomposição do vínculo social. Essa recomposição exibe os riscos do desenraizamento próprio destas sociedades destradicionalizadas. Num tempo em que os indivíduos se descobrem tantas vezes «doentes de si próprios», porque enredados nos seus labirintos, sem substitutos para as antigas instâncias comunitárias facilitadoras da integração, os nossos contemporâneos praticam permanentemente a fronteira. Não reconhecendo uma terra como sua, cada indivíduo torna-se o lugar de cruzamento de mundos múltiplos que excitam as competências comunicativas, densificam as transações sociais e multiplicam as pertenças.

As mais recentes possibilidades abertas pelas tecnologias da informação e da comunicação são o exemplo mais acabado desta explosão comunicativa e da emergência de sociabilidades em rede que ultrapassam os constrangimentos das relações baseadas no território. Estas plataformas permitem formas inéditas de comunicação e novas lógicas comunicativas. Mas, para além disso, favorecem a emergência de outras formas de construir os laços sociais. Globalmente, são «vias» de comunicação de caráter acentrado – não há para ninguém lugar prévio de autoridade (mesmo que seja a autoridade de uma tradição), ninguém tem condições para se pronunciar «ex cathedra».'

quarta-feira, 23 de março de 2011

Lilliput e Blefuscu, ou quando os nossos políticos

persistem em imitar as personagens de Swift que vão para a guerra porque discordam sobre qual o lado em que o ovo deve ser partido, deixo-vos uma outra alternativa para sorrir:
"Nobody of any real culture, for instance, ever talks nowadays about the beauty of a sunset. Sunsets are quite old-fashioned. They belong to the time when Turner was the last note in art. To admire them is a distinct sign of provincialism of temperament. ... Yesterday evening Mrs. Arundel insisted on my going to the window and looking at the glorious sky, as she called it. Of course I had to look at it. she is one of those absurdly pretty Philistines to whom one can deny nothing. And what was it? It was simply a very second-rate Turner, a Turner of a bad period, with all the painter's worst faults exaggerated and over-emphasised."
Oscar Wilde, The Decay od Lying

terça-feira, 15 de março de 2011

Sócrates, ou a vida imita a arte


Entre as muitas frases que nos ficaram na cabeça do insuperável "Prime Minister", Jim Hacker, encontra-se uma que ele utilizava sempre que queria fugir à pergunta colocada ou contornar a questão com a qual era confrontado. A expressão era: "Now, l want to make this perfectly clear."
Confesso que, malgré a gravidade da situação política, e a legítima expectativa com que todos nós ouvimos a comunicação do nosso primeiro-ministro, houve apenas uma frase sua que retive, pois, de imediato, ela fez agitar o sininho da memória; foi mais ou menos assim: "Quero deixar este aspecto muito claro."
E não consegui deixar de me interrogar se ele estaria a utilizá-la com uma estratégia idêntica à de Jim Hacker.
Que saudades do Hacker, do Sir Humphrey e do impagável Bernard.
Afinal quem tinha razão era o Oscar Wilde quando dizia que a vida imitava a arte.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Ainda com o espírito de quem partiu em mente


deixo-vos hoje um poema de outro poeta que me enche as medidas, Constantino/Konstandinos Kavafis.
Traduziram o poema Nikos Pratsinis e Joaquim Manuel Magalhães, Mestre e Amigo, a quem devo muito daquilo que sou hoje.
O título do poema é "Vozes".
Ei-lo:

"Vozes ideais e amadas
daqueles que morreram, e daqueles que são
parra nós perdidos como os mortos.

Às vezes nos nossos sonhos falam;
às vezes no pensamento as ouve a mente.

E com o seu som por um momento regressam
sons da primeira poesia da nossa vida -
qual música, à noite, longínqua, que se apaga."

sexta-feira, 4 de março de 2011

A morte súbita, inesperada, de um antigo colega,


Carlos Tavares Ribeiro, cuja empatia ia muito para além da recusa das pedagogias imbecis com as quais pretendem cercear a criatividade e a inteligência, levou-me em busca de um poeta de que muito gosto, Geoffrey Hill.
Inscrito à memória de alguém, seu título é:

'"A prayer to the Sun"


in memory of Miguel Hernandez

1
Darkness
above all things
the Sun
makes
rise

2
Vultures
salute their meat
at noon
(Hell is
silent)

3
Blind Sun
our ravager
bless us
so that
we sleep.'