

Deixo-vos estas palavras iniciais de um texto meu sobre o livro de ensaios de João Barrento que acabou de ser publicado na Colóquio Letras. Espero que vos aguce o apetite:
Numa reflexão sobre a obra de Llansol, Silvina Rodrigues Lopes menciona “o [seu] olhar errante” que “paira numa zona de penumbra”, lugar onde o sentido se insinua. 1 Errância do olhar que se justapõe ao de uma escrita que não se confina a uma circunstância textual (género) ou a uma irremediável distância face ao sujeito. Algo de idêntico ocorre na “errância da vida” de Else Lasker-Schüler 2. Também neste caso a escrita participa radicalmente de uma busca de sentido que se con-funde com a experiência criativa.
Enquanto escrevia Finisterra: paisagem e povoamento, Carlos de Oliveira foi produzindo reflexões suscitadas pelo processo de escrita. Numa delas, cita a '[p]rimeira experiência: dar o dom de fala aos grãos de areia que tenho sobre a mesa.' Do acaso do lugar, de peculiares e irrepetíveis acidentes de luz, emerge uma voz. A experiência autobiográfica con-funde-se com o processo de escrita que cria uma vida própria, na qual ele se revela.
Creio ser esta a inevitável realidade (experiência) que subjaz a O Género Intranquilo – anatomia do ensaio e do fragmento, e que levou João Barrento a designar “Geografias do acaso” o texto inicial da primeira parte do livro, onde apresenta um “Ensaio geral do ensaio.” Nele, escreve, '[a]rrumo os fragmentos segundo uma ordem possível ... tento um princípio organizativo que evidencie a progressão da experiência' (p. 15). O ensaio exibe-se enquanto processo, exercício em construção, decorrente das singularidades do(s) lugar(es) e do tempo: “geografias” denuncia quão nuclear é a circunstância do lugar, e “acaso”, quão nuclear é a circunstância do tempo (da experiência, da escrita). “Geografias” induz a singularidade – o recurso ao plural denega uma universalidade; “acaso” esclarece que este não um tempo pré-determinado mas sim acidental. Estamos, portanto, perante uma realidade determinada por uma categoria operatória moderna.
Ao intitular este livro Género Intranquilo, JB convoca, subliminarmente, essa mesma modernidade.
na linha de notáveis pensadores e ensaístas portugueses, João Barrento convence pela autoridade no tema e por uma feliz opção de interlocução: cativa o leitor desde a primeira linha!
ResponderEliminarcuriosidade, sim, pela opinião e pelo próximo número da Colóquio...
;_)))