terça-feira, 12 de março de 2019
Écfrase como alegoria da narrativa
É o caso deste passo de The Dying Animal, de Philip Roth, a partir do quadro de de Stanley Spencer, que aqui transcrevo em tradução portuguesa. Vós, mais jovens, não fiqueis perturbados pelo facto de corpos de quarenta e cinco anos serem evocados como decadentes... Está exposto no Tate um quadro de Stanley Spencer, um retrato com nu duplo de Spencer e da sua mulher aos quarenta e cinco anos, mais ou menos. É a quinta-essência da franqueza no tocante a coabitação, no tocante aos sexos viverem juntos ao longo do tempo. ... Spencer está sentado, acocorado ao lado da mulher deitada. Olha meditativamente para ela, de perto, através dos óculos de aros metálicos. Nós, por nossa vez, olhamos para ambos de perto: dois corpos nus ali à frente da nossa cara, para vermos que eles já não são jovens e atraentes. Nenhum deles parece feliz. Um passado espinhoso agarra-se ao presente. No caso da mulher, em particular, começou tudo a afrouxar, a espessar, e estão por vir rigores maiores do que carne estriada.
Na beira de uma mesa, no primeiro plano imediato do quadro, encontram-se dois pedaços de carne: uma grande perna de borrego e uma única costeleta. A carne crua é apresentada com uma meticulosidade fisiológica, com a mesma sinceridade cruel dos seios pendurados e do pénis descaído e não excitado expostos a poucos centímetros apenas da comida não cozinhada. É como se olhássemos através da montra do homem do talho, não apenas para a carne, mas também para a anatomia sexual do par casado.
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