

"A paisagem emblemática da poesia de John Donne assemelha-se à da Melancholia de Dürer: um repertório e um compêncio simbólico de todas as artes humanas e ocultas: livros, globos, histórias, balanças, esferas armilares, clépsidras, compassos e óculos. No fundo ruínas de catedrais e mosteiros ilustres em que agora crescem a hera e ervas, pedaços de cantos litúrgicos sobreviventes às procissões aos antigos santuários; tal como nas sublimes Variações Walsingham de Philips sobre as quais, nas festas da Corte, vai dando os seus passos esqueléticos a Rainha. Aí se misturam dobres de sinos e trompas de caça, flourish and fanfare,marchas fúnebres e acordes de cravo; a gíria do mercado e a do tribunal, os termos da sala de anatomia e o bichanar da alcova, o léxico subtil e marmóreo da teologia e o sussurro das fontes nos parques ingleses, o grito mitológico da mandrágora e o estribilho da ladainha, os especiosos sofismas do cortejador lascivo e a ternura grave do esposo. Tudo agredido, misturado com o modo casual e potente do grande teatro da época..."
Os Imperdoáveis (Assírio & Alvim), pp. 194-195.
Boas leituras!
Sem comentários:
Enviar um comentário