segunda-feira, 25 de julho de 2011

Annus Maribilis



Não foi aquele de que fala o Philip Larkin, pois claro. Nessa altura eu era demasiado pequenito!
O meu "Annus maribilis" terá sido o de 1985.
Entre muitas outras coisas, descobri (vendo-a ao vivo) a Suzanne Vega.
Sobre ele (ano) escrevi este poema que, inevitavelmente, encerra com essa descoberta.
Está incluído em Cidades de Refúgio, publicado seis anos mais tarde. Intitulei-o "Herba Santa", em homenagem ao meu querido amigo Herman Melville.
Ei-lo:

"Associo melodias às estações,
a instantes mais ou
menos vagos na memória. O
Verão de oitenta e cinco, por exemplo.

Regressara nesse tempo da pátria
dos heróis. Os dias fluíam entre
a viagem de um amor vindo
de longe e um almoço fora de horas
num qualquer snack em Lisboa, cracking.

Com liberdade, livros, flores e
a lua, quem não pode ser feliz?

Sim, havia ainda os livros e
a música, o frágil encanto de
Suzanne Vega."

Boa semana!

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O que é que nos olha de frente?


José Tolentino Mendonça é, além de um poeta que muito aprecio e de uma voz amiga, alguém a cuja meditação partilhada estou sempre atento e que gosto de divulgar junto de quem comigo tem afinidades.
Este é um texto seu recentemente publicado no Diário de Notícias da Madeira que, como é habitual, se revela muito certeiro face aos tempos que correm.
Ei-lo:

A escuta, a vigilância, a atenção são ferramentas para uma viagem humana fecunda. Os Padres do deserto diziam: «O maior dos pecados é a distracção». Vivemos num mundo que nos atropela continuamente, pela quantidade e velocidade da informação. As imagens que vemos também nos obsidiam, aprisionam e devoram. Na sobreposição de discursos e factos, nem sempre somos capazes de contrariar a alienação. E depois: quantos dos nossos gestos não se tornaram, entretanto, meros automatismos! Quantas das nossas escolhas não se esvaziaram de conteúdo, cabendo-nos administrar apenas a forma! É assim que acontece que numa cultura marcada por um excesso de signos, vivamos mergulhados numa inesperada e dramática pobreza simbólica. De certa maneira, enfraqueceu-se a nossa capacidade de ver, e com isso perdemos o acesso a dimensões necessárias de profundidade. O verbo mais importante é o ver, diziam os gregos. E para ver não basta olhar, não basta deslocar a visão para o outro lado da janela. É preciso, como avisa Fernando Pessoa, «não ter filosofia nenhuma». Só uma atitude de desprendimento nos permite aceder à vigilância autêntica. E não esqueçamos: só um coração pobre vigia. Só um peregrino descobre. Só o olhar do que não tem defesas consegue colher, no instante, a verdadeira presença.

Escreve o místico Silesius:: «a rosa é sem porquê, floresce porque floresce, não cuida de si própria, não pergunta se a vemos». Quando se diz ‘a rosa é sem porquê’, ou ‘a rosa é de ninguém’, propomo-nos investir num modo de construir o real que já não passa por sermos predadores e o real ser uma presa que vamos dominar ou domesticar. Entramos num espaço não já de predadores e presas, mas de vigilantes, de contemplativos, de operadores do assombro.
Vigiar é colocar-se na disponibilidade para a surpresa, para aquilo que vem, tendo consciência que o fundamental da vida não é o que adquirimos, o que fizemos, o que de alguma maneira dominámos, mas sim a incessante prática da hospitalidade. Toda a música que ouvimos, nos preparou, no fundo, para o ato da escuta. Todos os textos que estudamos, toda a poesia que lemos nos prepararam melhor para o ato da leitura. Toda a relação em que investimos, todo o afecto que partilhámos, todo o amor com que amámos, preparam-nos para o ato simples de amar. A vigilância é isso. Não está no apego ao mapa, mas no amor pela viagem. Temos mesmo de deixar a zona de conforto dos mapas para nos tornarmos viajantes, enamorados, vigilantes, sentinelas. Dir-se-ia que a vida nos pede uma escuta que atravesse o tempo, que perfure os séculos, que transcenda a paisagem, sintonizando com aquilo que verdadeiramente temos diante de nós. E, por isso, temo-nos de perguntar muitas vezes, pela vida fora: Qual é a nossa fronteira? O que é que nos olha de frente? O que trazemos diante de nós?


Como é hábito, elidi os sinais do acordo ortográfico!

Continuação de boa semana!

terça-feira, 5 de julho de 2011

Ser humano: duas perspectivas em confronto nos tempos que são os nossos


O olhar de Frei Bento Domingues. Algo que se projecta no nosso dia-a-dia; nas medidas dos governantes (em sentido lato, não só a nível central, mas em cada local de trabalho); nas acções de cada um de nós.
O respeito pela alteridade, como é óbvio.
E que passa por compreendermos, desde logo, que nós próprios, cada um de nós, é alteridade.
A meditar:
Na base de qualquer reflexão sobre uma sociedade justa e uma vida de qualidade, está implícita uma concepção do ser humano. Hoje, confrontam-se, pelo menos, duas perspectivas: uma visão utilitarista que encara o ser humano como um ser solitário que só procura o seu interesse e o seu prazer individual e vê a sociedade como uma justaposição de indivíduos; uma outra vê o ser humano como um ser social, a sua felicidade é construída com os outros e não à custa deles e em seu prejuízo. Estas duas maneiras de ver, que coabitam na sociedade, comandam a nossa abordagem dos problemas que a afectam. Para viver em conjunto, é preciso encontrar a melhor articulação possível entre o individual e o colectivo. Isso implica um reequilíbrio constante entre interesses, muitas vezes, contraditórios. Este reequilíbrio não será feito da mesma maneira, se é privilegiada a visão utilitarista ou a visão relacional .
Sempre que votamos, que optamos por alguém, em qualquer circunstância, é, talvez, acima de tudo, isto que está em causa.
Mais vale estar atentos hoje, do que lamentar amanhã.
Até breve!

segunda-feira, 4 de julho de 2011

A propósito da foto-colagem de David Hockney


de Ryoan-ji, escreve James Elkins em "Writing Moods":

"Hockney’s photograph is a visual palimpsest of European sources, including Picasso’s cubism (which is the acknowledged forerunner of all pictorial strategies that draw on the collage, the grid, and the “facet”), the Western assimilation of Japanese prints (especially in its flat field and high horizon), and some Western conventions of cartography (visible in the “mapping” of footsteps and the rectangular ground). It is the juxtapositions themselves, and the confluence of disparate sources, that constitute a large part of our pleasure in the essay and the photograph.
... the indigenous Japanese tradition of painting, which involves what is known in the West as “oblique projection,” eliminates or softens perspectival effects. For that specific reason every photograph of Ryoan-ji is a distortion. Hockney’s photograph is taken from the correct position for meditation, and it severely truncates the long side in order to efface perspective convergence and let the garden look more quadrangular. But does that make it closer to the traditions of Japanese painting? Would it be better to represent the garden in plan? Since Ryoan-ji may be the culmination of the art of tabletop dry-rock gardens (bon seki), a plan may be closer to the way Ryoan-ji might have been first worked out.
But even a plan has its conventions of lines and shading that belong more to architecture (whether Japanese or Western) than to the practice of Zen."

Voilà!

Boas leituras!

Um poema (elegia) de Geoffrey Hill


In Memory of Jane Fraser

"When snow like sheep lay in the fold
And wind went begging at each door,
And the far hills were blue with cold,
And a cloud shroud lay on the moor,

She kept the siege. And every day
We watched her brooding over death
Like a strong bird above its prey.
The room filled with the kettle's breath.

Damp curtains glued against the pane
Sealed time away. Her body froze
As if to freeze us all, and chain
Creation to a stunned repose.

She died before the world could stir.
In March the ice unloosed the brook
And water ruffled the sun's hair.
Dead cones upon the alder shook."

Boa semana!